Local: Igreja Nossa Sra. Aparecida, Vila Aparecida, Bragança
Paulista (SP).
A ORAÇÃO DO ARTISTA SACRO
Antes de iniciar sua obra, o iconógrafo coloca-se em estado de oração. Da mesma forma, o artista sacro compõe uma oração, e pede à Deus que
guie suas mãos.
O painel central da Santa Ceia,
medindo 3,75 X 6,00 metros, foi executado no atelier do artista, que
levou 9 meses para a sua conclusão. Feito em técnica de cera emulsionada
sobre suporte removível, conta com pintura trifásica, que aparece em
fosforescência e ultra-violeta, inovação técnica do artista.
O desenho da anatomia dos personagens é colocado com crayon sanguíneo
sobre o fundo preparado. Cada personagem tem sua anatomia detalhada,
para a construção do movimento e expressão. Este é um momento de
especial atenção com a composição. As linhas de força das mãos, pés,
olhares, membros e panejamentos devem auxiliar a leitura da obra,
levando o olhar do observador em um passeio visual indicado pelo
artista. Assim nasce uma obra, levando em consideração as lições de
composição herdadas desde os baixos-relevos gregos e romanos.
As tonalidades de fundo são colocadas, com a técnica da cera
emulsionada. Os desenhos são corrigidos, as medidas finais, após os
trabalhos de acabamento do altar exigem alterações na composição.
Na última ceia, ao nos amar até o
fim, fomos "cristificados" em Jesus.
Frei Arthur Vianna Ferreira, osa
Setembro de 2008
O mais recente trabalho do artista
plástico Sergio Prata realizado na Igreja de Nossa Senhora Aparecida, na
cidade de Bragança Paulista, é a mais profunda expressão da força de
Deus através do mistério Eucarístico de Cristo no mundo e seu resultado
santificador no meio da humanidade.
Seguindo o caminho teológico dos
primeiros versículos do “livro da glorificação” que se encontra no
evangelho de São João capítulo 13, 1, o artista retrata a preparação do
momento sublime da redenção do gênero humano: a última ceia. "Antes
da festa da Páscoa, Jesus, sabendo que tinha chegado a sua hora de
passar deste mundo para o Pai, Ele que tinha amado os seus que estavam
no mundo, amou-os até o fim." A figura central de Jesus na pintura
já prefigura que Ele, o Cristo, o ungido de Deus, irá traçar entre o céu
e a terra a ponte de comunicação entre Deus e os homens. Os seus braços
abertos apresentam ao mesmo tempo tanto a cruz como a acolhida de Deus a
todos que se aproximam ao seu mistério de amor. Desta forma, que Jesus,
aquele que será pregado na cruz, é livre e se assume o sacrifício feito
morte em sua própria carne por amor a nós.
Em verdade, na figura central de
Jesus, o único que possui na pintura a áurea dourada de santidade, esta
a certeza de que a morte não é eterna e que gera a ressurreição. Aquele
que olha ao Cristo da pintura não deve se prender mais a cruz, mas a
possibilidade de uma vida eterna que ele oferece de braços abertos a
todos que se aproximam da mesa eucarística para fazer a experiência de
receber o próprio Deus em seu coração.
Os convidados à mesa do Senhor são os
12 apóstolos. Estes estão dispostos ao redor de uma mesa em forma de "U"
invertido. Este formato mostra que o mistério da Ceia acolhe, abrange e
distribui os convidados de maneira que todos tenham um contato visual
mais próximo do mestre.
A mesa não é linear, onde um se
coloca em preponderância em uma de suas pontas como liderança e todos os
demais o escutam como seus servos. Ao contrário, o enviado de Deus,
Jesus, é um mestre muito próximo, que os chama de amigos no discurso de
despedida, porque "o empregado não sabe o que seu patrão faz; eu os
chamo de amigos pois comuniquei tudo o que ouvi de meu pai." (Jo 15,
13b)
Em torno da mesa, que é preenchida em todos os espaços pela
presença de seus amigos, Jesus faz sua última ceia e seu último
ensinamento àqueles que deverão um dia construir a sua Igreja neste
mundo. O formato em da mesa "U" se abre a comunidade paroquial que
também é chamada a fazer parte desta experiência espiritual dos
discípulos em torno ao mestre.
A mesa eucarística na pintura de
Prata é uma mesa que acolhe e que congrega a todos que entram na Igreja
para rezar.
Todos são acolhidos pelo Cristo Jesus, que de braços
abertos, lembra o sacrifício da Cruz, prefigura a saída do túmulo na
ressurreição e acolhe a todos os que entram na casa de Deus para fazer a
sua oração ao Deus altíssimo.
Outro detalhe desta obra é a
disposição dos discípulos de Jesus na mesa fraterna. Seguindo a palavra
do evangelista João 13, 22 que diz: "Desconcertados, os discípulos
olhavam uns para os outros, pois não sabia que Jesus estava lhe falando",
o artista retrata o espanto – e algumas vezes indiferença - dos
convidados ao que acontece na mesa em seus últimos momentos com o seu
divino mestre.
Eles foram convidados a participar do banquete, mas não
tinham em suas mentes a consciência do que realmente poderia acontecer
com Jesus e como as suas vidas iriam mudar a partir deste acontecimento.
Todos se encontram dispersos,
preocupados com seus afazeres ou com suas necessidades. Somente alguns
olhavam para o mestre, porém com consternação e sem muita certeza do que
significava aquele momento para eles. O entendimento da profundidade do
gesto de Cristo é percebido pelos apóstolos após a sua ressurreição.
É
um processo espiritual que o cristão que admira a obra de arte é chamado
a vivenciar em comunidade. Como retratado na pintura de Prata, muitos
de nós nos aproximamos da mesa da Eucaristia dispersos não só
externamente como internamente.
Silenciar o nosso coração e deixar
nossas preocupações pessoais é o primeiro passo para entendermos com
profundidade o mistério de Cristo em nossa vida e sua recordação nos
altares de todas as igrejas no momento de suas celebrações eucarísticas.
A mesa aberta para a comunidade em formato em "U" e os elementos do pão
e do vinho espalhados no painel de Prata convidam a comunidade a fazer
parte do banquete do Senhor.
A pintura nos questiona e nos leva
refletir sobre que postura tomamos diante da Eucaristia que realizamos
nas missas em nossa comunidade. Com que discípulo, retratado no painel,
podemos no identificar neste momento da nossa vida diante do Cristo que
se oferece como alimento de ressurreição para nós todos os dias que
participamos em comunidade da partilha do pão. Se realmente, conseguimos
entender sua mensagem deixada a cada um de nós e que se encontra na
palavra que escutamos nas leituras realizadas durante as celebrações
eucarísticas, se convertemos as nossas atitudes ao escutar os
ensinamentos de Jesus através de seus sacerdotes nas homilias e se
deixamos nosso coração arder de amor quando recebemos Jesus ressuscitado
na hora em que comungamos dele na Eucaristia.
Sergio Prata utiliza de uma
técnica que é a marca de sua expressão e sensibilidade artística - e que
se encontra em suas reconhecidas obras - que é a pintura trifásica, onde
podemos enxergar elementos diferenciados de acordo com a posição da luz
que é incidida na pintura. E neste mural encontrado na Igreja de Nossa
Senhora Aparecida está a superação de sua obra.
Ao apagarmos as luzes naturais e
acendermos as luzes "negras" podemos ver a transformação do painel. O
mural que, a princípio, retratava o momento da despedida de Jesus Cristo
dês te mundo, se converte na permanência d’Ele no meio de nós através da
presença da luz do Espírito. Do peito do Cristo Jesus aparece a imagem
do Espírito Santo em pomba como faz alusão os santos evangelhos (Mc 1,
10; Mt 13, 16; Lc 3,22) e todos os personagens que participavam do
último momento da ceia recebem a presença do ressuscitado através do
Espírito Santo de Deus que lhe é conferido no Pentecostes. Esta força
de Deus impulsiona a todos os cristãos no mundo e se torna a coroação
daquele que acredita no poder de Cristo Jesus em suas vidas.
Desta forma, os personagens ficam "cristificados”, ou seja, ungidos com a força de Deus que mudará as
suas vidas e os transformarão em seres cheios da coragem para anunciar o
evangelho de Deus e construir a Igreja Católica Apostólica Romana,
prefiguração do Reino de Deus deixado por Cristo a todos nós.
Um último detalhe deve ser ressaltado
em uma análise mais atenta desta obra de arte. Todos recebem o Espírito
Santo menos Judas Iscariotes, que entrega o Cristo Jesus. Porém, este
permanece junto a pintura, por mais que não esteja incandescido pela luz
do espírito. Este detalhe pode ser de grande importância para o coração
do orante sobre o painel. A figura de Judas fora da graça de Deus mostra
a nossa comunidade como, mesmo sendo chamados a participar da
misericórdia de Deus na Eucaristia, podemos ficar fora de sua graça
pelos nossos gestos ou ações que não conduzem a este Deus de amor.
Não basta ouvir a palavra, não basta
participar da mesa do Senhor, devemos também nos esforçar para que,
mesmo sem ter a plena consciência do que Deus nos chama, nos colocarmos
a disposição da vontade de Deus na comunidade cristã e no mundo. Senão
podemos incorrer no mesmo destino de Judas, que mesmo participando em
tudo junto ao mestre e recebendo mesmo ensinamento que todos, não soube
aproveitar o que lhe foi colocada a tal ponto de produzir uma conversão
de vida que o pusesse solidário aos apelos do Mestre e de dos irmãos. E
por isto, não cabendo em si a oportunidade de ser iluminado pela força
criativa e eterna do amor que é o Espírito.
Com este mural no meio de nossa
comunidade damos um salto qualitativo em nossa fé. Abandonamos as cruzes
que nos prendem a este mundo e olhamos o Cristo, o filho de Deus em
nossas Missas da forma que ele gostaria que nós o fizéssemos:
partilhando.
Partilhando o pão e o vinho na última
ceia; partilhando os seus ensinamentos aos discípulos antes de voltar ao
Pai (cf. Jo 13,3b); partilhando a sua vida ao abrir seus braços em uma
cruz; partilhando a alegria de ser ressuscitado no amor de seu Pai
celeste; partilhando o Espírito Santo a sua Igreja. Que ao olharmos esta
bela obra de arte, inspirados por Deus através de seu artista Sergio
Prata, todos os cristãos possam rememorar o mistério da redenção do
mundo e que se encontra na Igreja Católica.
A partilha do pão e do vinho é Cristo
que se dá novamente nos altares de todo o mundo e faz de todos os irmãos
no Espírito Santo. Amando-nos até o fim, se entrega nas mãos do Pai para
abrir a oportunidade de todo o gênero humano seja “cristificado” através de seu Espírito que segue presente no meio de nós todas as vezes
que partimos o pão entre os irmãos reunidos em torno do altar do Senhor.