Os retratos de Fayoum,
oásis situado na margem esquerda do delta do Nilo, a 137 km ao sul do
Cairo, são imagens funerárias pintadas por pintores itinerantes, sobre
tela de linho ou madeira.
Segundo o especialista Jacques Edouard Berger, são considerados retratos
originais de Fayoum, 792 pinturas, por ele catalogadas, encontrados em
escavações em necrópoles greco-romanas, em todo o Egito.
Os retratos funerários de Fayoum foram descobertos em escavações pelo
arqueólogo Inglês William Matthew Flinders Petrie, que apesar de não ter sido o
primeiro pesquisador Britânico a trabalhar longamente no Egito, é
considerado o maior Egiptologista de sua época. Petrie deixou relatos que permitem identificar a origem de muitos destes
retratos, hoje espalhados em Museus de diversos países do mundo.
Os 792 retratos considerados originais e catalogados por Berger (Berger
Foundation), foram encontrados em diversas regiões do Egito. Segundo
Berger, estes são os primeiros retratos de personagens pintados na história da Arte, um
relato de um encontro histórico entre duas culturas de grande prestígio: Roma e o Egito.
Os retratos, feitos por artistas viajantes, retratam personagens em vida saudável e jovem, e foram realizados em vida, guardados pelos retratados até o momento de sua morte, quando eram entregues à embalsamadores.
Os embalsamadores, menos caprichosos com os retratos do que os artistas, cortavam as pranchas de maneira irregular, simplesmente para encaixá-los em urnas funerárias, como decoração.
Por esta razão, todos os retratos funerários de fayoum são encontrados sobre pranchas cortadas de maneira descuidada.
São retratos de romanos que escolheram o modo Egípcio de abordar a eternidade, fazendo-se mumificar, com bandagens, e sepultados em sarcófagos, com suas imagens diante da região do rosto.
Os retratos de Fayoum substituem os retratos de Osíris, empregados para fazer alusão à eternidade pretendida, presentes na arte funerária até então.
A etimologia da palavra encausto (do
verbo en-kaio, queimar) indica o uso de calor.
O escritor Romano Seneca (falecido no ano de 65 d.C.) escreveu que a
fabricação e a aplicação das cores era feita de maneira muito veloz, com a
rapidez necessária devido ao curto período de fusão da cera.
Hoje, a técnica da encáustica é definida pelos maiores especialistas, como sendo qualquer procedimento que utiliza a cera de
abelha para a confecção de um médium ou aglutinante mesclado aos pigmentos, seja em técnica quente ou fria, esta última contando com o aval histórico da técnica da cera púnica, que já empregava um alcalino para a saponificação da cera.
O oásis de Fayoum era considerado um dos locais mais
ricos do Egito do século I d. C. Em Fayoum, navegava-se sobre os diversos canais, feitos pelos faraós.
Plantava-se trigo, frutas, e demais cereais, em uma região fértil,
irrigada. Até hoje, Fayoum é um oásis de fertilidade, contrastando com o
imenso deserto do Egito.
Cobiçado pelos invasores do impérios Romano, de Alexandre à Ptolomeu,
pelos generais e por Cleópatra, que no oásis se instalavam, procurando um
local fértil, verdejante e úmido.
Nos retratos de Fayoum, encontramos maior ou menor grau de definição e
qualidade pictural no trabalho.
Pintores de grande capacidade artística eram
contemporâneos de pintores menos talentosos. As famílias mais abastadas
podiam pagar um retratista de maior capacidade artística. Alguns retratos apresentam nobreza, hieratismo, olhares expressivos e
sublimes, como de quem contempla Deus.
Esta é a finalidade desta arte funerária: exprimir serenidade, identificando
um personagem em paz diante da eternidade, sobre a múmia.
Outros retratos apresentam expressões medíocres, cores chapadas, pouco
volume nos rostos, e não passam de ilustrações ingênuas, quando comparados
aos retratos de maior sofisticação estética.
Poderíamos chamá-los de
retratos de um período paleocristão, pelo seu baixo nível de sofisticação.
São obras de artistas menos capacitados, provavelmente, porém de artistas
contemporâneos aos primeiros séculos da era cristã. É impossível datar estes retratos com plena certeza, por métodos
científicos.
Por esta razão, a datação é feita por métodos arqueológicos, ou seja,
através da análise dos cortes de cabelos e penteados, dos adereços e jóias,
das moedas e símbolos presentes nos retratos.
O estudo da evolução da moda e dos costumes, na história da arte, permite
aos historiadores definir em que período da história forma feitos os
retratos, aproximadamente.
Fayoum era um oásis longe do grande centro, Roma, que ditava e criava a moda
nos primeiros séculos depois de Cristo. Desta maneira, as influências
estéticas chegavam depois de décadas, o que impossibilita uma datação
precisa.
Desta maneira, o retrato de Fayoum sobre o qual existe maior certeza de
datação é este retrato ao lado, cujos adereços e tiara em ouro possuem
estética que permite deduzir que é da segunda metade do século I d.C.
O corte do cabelo, típico dos cortes de imperatrizes do tempo de Calígula e
Nero, influenciava as senhoras da nobreza, que se faziam retratar com a
mesma estética.
Os retratos de Fayoum eram feitos em duas técnicas diferentes: têmpera de pigmentos com água e cola animal e em cera de abelha, com resina
natural, ovo ou óleo.
A escolha destes aglutinantes, por pintores de um mesmo período, criou duas
estéticas diferentes, com resultados picturais diversos. A escolha do
aglutinante era uma opção pessoal do artista, e esta liberdade ajudou na
diversidade de estéticas nestes retratos.
O retrato funerário em têmpera, sobre o qual existe mais informações,
pois uma descrição foi encontrada junto ao corpo mumificado. Aline era de
origem grega, e com estado civil romano, uma mulher nascida em uma família
de origem abastada, que, ao se ver necessitada, empregou-se como professora
de grego em uma família Romana.
O manuseio da têmpera com cola animal ou vegetal possibilitava aos pintores
maiores detalhamentos e grafismos, visíveis nos tratteggios (tracejados), com pinceladas mais definidas, em diversas direções.
Observando a pintura ao lado, chegamos à conclusão que o aglutinante
(ligante) é mais líquido no momento da pintura.
Os retratos feitos com cera de abelha apresentam um aspecto pictural
mais matérico, com maior empastamento, pois o ligante é corpóreo, gorduroso,
mole.
O realismo das sombras, os seus valores tonais e contrastes são os pontos
positivos do emprego da cera. A forma de retratar os olhos, pintados a partir de um personagem em vida, de
maneira intensa, representam a força espiritual do indivíduo, frente à
eternidade. Esta intensidade de olhar, em obras contemporâneas à criação dos primeiros
ícones cristãos, assemelha-se à estes.
Plínio conta que os retratos eram pintados sobre tela e sobre madeira.
As
telas eram tencionadas sobre um bastidor, e pintadas sobre um cavalete, da
mesma forma que um pintor atual faz.
A madeira mais procurada era a da
figueira.
No Egito, a madeira era um material raro, pois existem muito poucas árvores
nesta região desértica.
Era um material mais caro do que o bronze e do que a
pedra.
As barcas dedicadas aos Deuses eram feitas com os cedros do Líbano, portanto
podemos imaginar o que este transporte longínquo encareceria o produto
final. A restauração de retratos, quando necessária, era feita com grande economia
de madeira, pelos pintores que se dedicavam à esta tarefa, como podemos ver
na foto acima. As inserções de pequenos pedaços, que recebiam a pintura após sua fixação,
demonstra tal fato.
A DOURAÇÃO
A douração era aplicada quando o retrato já estava
acabado, sobre as jóias e ornamentos, e era feita seja com verdadeiras
folhas de ouro, ou com cores que a imitavam.
Para colar a folha de ouro pode
ter sido usada a clara de ovo. Para imitar o ouro verdadeiro, a superfície era pintada
de ocre amarelado misturado com um pouco de branco e um pouco de vermelho,
para as cores locais.
As sombras eram obtidas adicionando um pouco de preto, enquanto as luzes
eram feitas com um pouco de branco e ocre amarelo, esta última cor sendo
citada por Ingres como "o dono do céu", dizendo que os gregos a utilizavam
para imitar o ouro, pois, quando associada à quadricromia, produz um brilho
inigualável.
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