A arte pode não ser capaz de mudar o mundo e nem acho que essa seja a sua função. Se assim fosse o alerta de "Guernica" de Picasso teria evitado algumas catástrofes. Isso não significa que a obra de alguns artistas consiga se desprender da realidade. Ao contrário, o verdadeiro artista é um ser em estado de alerta, é alguém cuja vida interior em constante ebulição permite captar bons e maus momentos. A pintura de Sérgio Prata não dispensa essa possibilidade. Como parte integrante de um contexto muitas vezes conturbado, o artista se revela passível de envolvimentos. Ao jogar esses questionamentos para a tela cria personagens impregnadas de emoção. Algumas vezes denunciam um momento social crítico, outras um estado interior seu.
Essas questões se tornam evidentes tanto na expressão do homem simples, seja o lavrador ou o pescador, como nas personagens mitológicas. É o caso de Ícaro tentando sair das sombras com seu ar desesperado lutando para abrir novamente suas asas e renascer para o sol.
Uma analogia a um momento também do artista quando, após um tempo sem criar, sente a necessidade do retorno à pintura.
O que caracteriza a obra de Sérgio Prata é a força de suas personagens quase extrapolando o espaço da tela. Apresentam uma morfologia que é na verdade fruto de estudos de anatomia feitos na França. A partir daí recria figuras grandes e vigorosas que refletem, na visão do artista, a estética do povo latino americano. Pelo tamanho se mostram comprimidas dentro do espaço evidenciando quase uma revolta da pintura contra a moldura ou do indivíduo contra a sociedade, uma vez que a moldura delimita a pintura e o indivíduo é limitado pelo contexto em que vive. Esse processo foi resultado do conflito que enfrenta ao voltar para o Brasil após alguns anos de experiências vivendo na França. Sente o choque cultural, alo um tanto anacrônico. Seu horizonte agora muito mais amplo acaba deparando com tantas restrições. A sensação de enxergar muito além e não conseguir passar isso significava a angústia de ter voltado às origens e não conseguir aterrisar em seu próprio país.
Transportar para a tela questionamentos interiores com tanta carga emocional significou para Sérgio Prata um momento de buscas e descobertas. Quando percebe que só estar ligado a tais questionamentos poderia estar produzindo uma obra temporal, decide virar a página. Não perde, no entanto, a coerência e o vigor. Sente uma espiritualidade nova, alcança uma serenidade, algo que independe da vontade do artista e que, portanto, não deve reprimir, simplesmente deixa fluir. A partir de então não permite um trabalho cerebral o tempo todo. Acredita numa espiritualidade mais ecumênica. Não aceita proselitismos nem verdades determinadas. Para Sérgio Prata a dúvida é salutar e o excesso de convicção é atroz. - “Estar aberto a tudo o que acontece, poder captar momentos e transporta-los para o suporte é ótimo.” Para ele, a verdadeira arte é quase que um sintoma, é o testemunho de uma época, de uma cultura. É o canal que o artista utiliza para expressar a realidade e os anseios do ser humano.
-”Isso é pensar como um expressionista”.
São essas obras que passam um sentimento puro, que têm toda uma vibração de vida e que resume o mundo. Essa é a única arte que ultrapassa o tempo e que será infinitamente admirada.
Sérgio Prata, um artista em sintonia com a realidade.
MARLENE DE ALMEIDA.
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