LIBERDADE
O espírito criador é como o vento que sopra. A criação na arte é um ambiente que não se dobra diante dos limites ideológicos ou da vigilância estética imposto por regimes ou modismos. A produção de arte não pode ser limitada por tendências temporais. O espírito criador é livre e libertador, por ser expressão pura. Arte é, portanto, diretamente ligada à liberdade, e o direito dos criadores, não deve nem pode ser cerceado, cercado, adestrado segundo uma vertente de pensamento.
Existe uma enorme herança cultural, perceptível através dos séculos de história de Arte. São inúmeras lições que aprendemos com a experimentação e manuseio dos artistas, mestres, cientistas e pesquisadores de todas as épocas. Temos 34.000 anos de lições a receber, visto que o início da Arte está nas pinturas das grutas rupestres.
Os que acreditam que tudo já foi feito dentro da Arte são desprovidos de uma capacidade essencial e uma condição sinequanon aos artistas: a criatividade.
O princípio da arte é fazer o novo, fazer de novo, renovar, reciclar, e, para tornar isto possível, devemos e podemos aprender muito com a herança das civilizações de arte. Isto feito, podemos propor o novo, o atual, o futuro, com conhecimento.
Na história da arte, investigamos como e com quais materiais foram feitas as obras mais resistentes da história. É um longo caminho, completado com as descobertas e inovações contemporâneas, que nos propõe produtos industriais, na vasta gama de materiais artísticos.
PARTILHAR CONHECIMENTOS
Partilhar conhecimentos, em qualquer área de atuação, é pensar no bem da comunidade (polis) onde vivemos, colaborando para a pesquisa e capacitação. Partilhar cultura é, no sentido etimológico do termo, fazer política cultural. O aprendizado do saber-fazer só é possível se adotarmos uma postura de humildade, diante da enorme herança que nos oferece a história; um vasto conjunto de conhecimentos de arte, técnicas, estéticas, teologia da imagem, experimentações e de algumas conclusões definitivas, que só são possíveis quando uma obra resiste à passagem do tempo.
Os conhecimentos abordados neste livro são heranças recebidas no convívio com grandes mestres, de diversos países. Em especial, os conhecimentos passados por Abraham Pincas, Jean Petit, Jean-Roch Sauer, Bernard Delamarche, Hélène Iankoff, Clotilde Gontel, da leitura das pesquisas de muitos autores (alguns citados na Bibliografia) e da participação de colaboradores.
Nesta edição, contamos com o apoio do especialista em tecnologia dos materiais Caetano Ferrari, que propôs uma vasta bibliografia, sugestões de inclusão e abordagens de produtos industrializados e uma variedade de fórmulas, que veio se somar às já conhecidas.
Este livro não possui um conteúdo fechado, pois continua na pesquisa de cada um dos leitores e artistas. A internet oferece sites de empresas produtoras de materiais artísticos. Para os que tem interesse em um aprofundamento ou uma especialização em uma técnica específica, aconselho a continuidade da pesquisa através de um dos cursos on-line, disponíveis em www.sergioprata.com.br/port/indextecnicas.html
Levando em consideração as propriedades dos materiais abordados nesta edição, você poderá fazer novas adequações e descobertas, alterações de fórmulas, manipulando-as conforme suas necessidades.
Os conhecimentos aqui descritos são fruto de muito esforço, investimento e dedicação contínua, no estudo das experiências dos antepassados, em viagens por cerca de 15 países, em uma pesquisa iniciada em 1981, na Ensb-A de Paris. Todo conhecimento é proveniente de uma escola. E os conhecimentos que abordo, em sua maior parte, são provenientes da Escola de Paris. Ao lado de outros grandes mestres da Ensb-A, a atuação da equipe de mestres do atelier de techniques de la peinture na primeira metade da década de 80 do século passado, escreveu uma bela página na formação de uma geração internacional de artistas, que hoje atua em diversos países. Alguns de seus ex-alunos são Reitores da Universidade de Pequim, onde o atelier de Técnicas tem o nome de Ateliê Pincas, em homenagem ao Professor da Ensb-A. Esta pesquisa, adicionada às demais pesquisas de vitralismo na Escola de Arts et Métiers da França, e de iconografia no atelier d´iconographie Saint-Luc de Paris e nos mosteiros de Meteora e do Monte Athos, na Grécia, colaboraram com grande parte do conteúdo deste livro. Estes conhecimentos e as orientações não seriam válidos, se tivessem sido mantidos na teoria. Ao invés disto, foram testados, seguidos, subvertidos, colocados à prova, na execução de diversas obras, nas mais variadas técnicas, onde as peculiaridades e dificuldades de cada técnica se apresentaram.
Esta edição contribui com algumas informações sobre toxicologia dos materiais, sem precedentes na língua Portuguesa. De fato, alguns materiais artísticos apresentam diferentes graus de toxicidade, que podem afetar a saúde dos que os manuseiam. Este é um assunto vital aos artistas, e o seu conhecimento pode evitar alguns transtornos sérios aos fazedores de arte. Alguns materiais podem causar transtornos temporários, doenças irreversíveis e até fatais. A história nos mostra casos de intoxicação, que afetaram a saúde física e psicológica dos artistas.
A negligência dos conhecimentos técnicos, na contemporaneidade, transforma-se em fonte de incentivo, para a continuidade desta vasta e interessante pesquisa, visto que esta torna-se mais rara, importante e essencial para aqueles que desejam produzir Arte.
PRAZER DE PARTILHAR
Vejo prazer estampado nos olhos dos frequentadores do ateliê, a cada descoberta em técnicas. É a luz da revelação, que desperta, da criatividade que encontra meios de expressão. As mensagens de apoio e admiração pela obra já realizada me incentivam. Sou testemunha do entusiasmo do saber fazer, ligado ao poder fazer, no talento de muitos estudantes e artistas.
Pintei muito. Até doer o braço, os supinadores, até ter que parar, por causa das dores.
Pintar é a maneira que encontro de fazer valer os ensinamentos herdados de meus mestres, e também os enormes esforços que tive que fazer para adquiri-los, na trajetória iniciada na década de 80, longe do conforto de meu país, minha casa e família, em um período sem as facilidades de comunicação da atualidade.
O que de mais valioso recebi durante meus estudos, é decorrente da grande generosidade de alguns dos meus melhores professores, na transmissão de conhecimentos essenciais, que formaram a base sobre a qual construí minha carreira artística. Sem esta transferência de conhecimentos e de capacitação, creio que não há carreira sólida e perene possível nas Artes.
AS PINTURAS COM MATERIAIS ESPECIAIS
Ao compreender a lógica e propriedades físico-químicas dos materiais, podemos continuar as pesquisas em tecnologia dos materiais, fazendo experimentações e novas descobertas, adequando as fórmulas seculares as novas necessidades, que são propostas pelos novos materiais.
Os melhores técnicos em pintura e pesquisadores permitem-se adequar as fórmulas antigas aos novos materiais, segundo sua necessidade, assim como alguns dos bons iconógrafos, permitem-se alguma criação ou toque pessoal em suas obras, apesar desta arte sacra não prever esta possibilidade.
Algumas técnicas expostas neste livro ainda são raras na produção contemporânea, algumas até o são por serem seculares, outras o são por serem inéditas, desconhecidas do grande público, como a pintura trifásica, procedimento que desenvolvi e elaboro no escuro e sob luz ultravioleta, com a aglutinação de pigmentos fosforescentes e filtros UV (que ressaltam a luz), ainda pouco empregados pelos artistas. Com as pinturas trifásicas, ganhei um prêmio na Bienal do México, em 2008, em um certame que envolvia 270 artistas de 34 países.
Os pigmentos termossensíveis e cromossensíveis, que chegaram recentemente ao ateliê, são alvo de pesquisas contemporâneas. Somos todos termossensíveis, neste tempo de aquecimento global. Assim também são minhas novas obras. Sensíveis aos problemas contemporâneos. Modificam-se, com a temperatura do mundo.
A história nos ensina o que é estável, durável, perene. A química nos ensina as características e funções dos materiais. Os erros técnicos nos mostram o quanto pode tornar-se frágil uma obra quando realizada com lacunas de compreensão dos materiais. Optar por materiais frágeis, que não resistem ao tempo é uma escritura sobre a areia, frágil, que a primeira nova onda trazida pelo mar do tempo e dos modismos apague.
A Arte, para os conhecedores, não é feita para ser temporal. Ela atravessa o tempo. Deixa um legado, um testemunho de uma cultura. Portanto, para fazer cultura e história, é necessário antes de tudo, adquirir a cultura e os conhecimentos de séculos de história, buscando-a lá onde foi preservada. Por esta razão, estive em escolas, galerias e museus de mais de 15 países. Estive em Lascaux (França), no México, nos mosteiros de Meteora e do Monte Athos (Grécia), em busca de obras perenes, que sobreviveram aos séculos.
Os que mais conhecem técnicas, os maiores pesquisadores, geralmente agem com certa humildade, diante dos seus colegas. Pois constatam que, quanto mais aprendem, mais ainda existe por pesquisar. Um amplo leque de pesquisas se abre, se descortina, ao subirmos cada nova colina de conhecimentos, e encontramos novos colegas, nesta peregrinação em busca da Arte.
Este livro tem a intenção de sanar algumas dúvidas técnicas, práticas e teóricas, sobre a pintura. Não sanará todas as suas questões. Pois é um livro pequeno, sobre um vasto assunto. Muitas das suas perguntas serão respondidas com sua própria pesquisa, e para isto indico alguns livros essenciais. Ao ser confrontado com as técnicas, teste-as lentamente, seguindo as indicações dos procedimentos. Não se deixe levar pela ansiedade, pelo imediatismo, ao testar as técnicas. Saiba que suas conclusões e seu aprendizado ocorrerão durante a manipulação dos materiais, em cada uma das técnicas, e após certa reflexão, constatação e comparação de resultados obtidos.
Ao executar estudos e testes das técnicas exemplificadas, você poderá se permitir alguma liberdade. A liberdade de atualizar técnicas antigas aos materiais modernos, e encontrar soluções em técnicas mistas, compatíveis entre si. Saiba do risco de erro, de encontrar técnicas que envelhecem mal, de materiais que não resistem ao tempo, se estes não respeitarem os princípios dos materiais.
As compatibilidades tornam-se possíveis desde que o artista conheça os princípios dos materiais. Conhecendo alguns encurtamentos técnicos e algumas dicas profissionais, todas as técnicas tornam-se compatíveis. É uma lógica que adquirimos após muita experimentação e direcionamento.
Você sabia, por exemplo, que podemos aquarelar sobre uma pintura a óleo? Sim... Queimando a gordura superficial, com alguns ingredientes, até o óleo pode receber uma pintura à base d´água fluida. Coisas de ateliê, de manuseio.
Cada uma das técnicas abordadas neste livro pode ser objeto de um livro mais detalhado, que espero lançar no futuro. Esta abordagem detalhada já está disponível, em forma de cursos on-line de especialização, disponíveis em www.sergioprata.com.br/port/cursosonline.html
Cada técnica possui maior complexidade e grandes sutilezas, que não cabem nas 160 páginas deste livro, uma compilação de um assunto muito vasto.
RAZÕES PARA O ESTUDO TÉCNICO
A pintura e o desenho são linguagens do silêncio, mesmo quando expressam temas fortes. A tela e o papel tudo aceitam, silenciosos. O tempo, por sua vez, faz a triagem entre o que pode passar por sua fina peneira e o que vai se deteriorar.
Em minha opinião, por mais talentoso que seja o artista, há sim, muito o que ser estudado. Há o que ser falado sobre a pintura, quando ela possui técnica, composição e tema, e só esclarecendo nossas dúvidas, poderemos criar obras duráveis. Capacitar-se em técnicas, permite-nos reverter a perda da herança cultural, ocorrida na “arte” contemporânea, onde os pintores conhecem menos a pintura do que os seus antepassados. Cabe à nossa geração e às futuras um renascimento do saber e o retorno ao essencial, para dar seguimento à Arte de qualidade.
O pintor contemporâneo saberá criar melhor e deixará o testemunho de sua época para as futuras gerações se souber manejar quimicamente sua pintura, fazendo o equilíbrio alquímico, a culinária sofisticada dos elementos da arte. Saberá também se proteger e evitar os materiais mais ofensivos à sua saúde, obtendo resultados excelentes com materiais diferentes. Ainda não existe bibliografia especializada sobre este tema, em Português, onde possamos adquirir maiores informações sobre a toxicologia dos materiais artísticos.
TOXICOLOGIA
É importante que os artistas tenham consciência da insalubridade em alguns procedimentos e materiais. O artista plástico trabalha muitas vezes com materiais voláteis, com pigmentos que possuem nenhum ou diferentes graus de toxicidade, portanto, em função dos materiais que escolhe, deve proteger-se.
Muitos materiais podem ser nocivos à sua saúde, se a sua exposição for longa e direta. Tenha sempre máscaras e luvas em seu ateliê. Lave sempre as mãos e rosto.
O QUE É PINTURA?
A pintura é um jogo que acontece num fino filme, num pequeno espaço chamado camada pictural. Conhecendo a fundo este microcosmos que se desenrola em milímetros, poderemos pintar quilômetros quadrados, e talvez conhecer o mundo, graças e através da Arte.
COMPROMISSO COM A CULTURA
Cultura é uma riqueza, talvez a maior e mais verdadeira riqueza humana. Ela nos liberta e transporta. A arte nos faz sublimar os percalços da vida. E revela o melhor das pessoas, nas pessoas. Por estas e outras razões, os conhecimentos devem ser partilhados, a herança cultural não pode ser negligenciada.
NO ATELIÊ
Nesta troca contínua, todos aprendem. Somos todos estudantes de arte, mesmo quando já trilhamos um bom pedaço de caminho. Guardemos o frescor da descoberta, o brilho nos olhos do aprendiz.
Ao ver nascer as novas obras, da mão de alunos que buscam exprimir seus talentos, sou constantemente questionado sobre técnicas. Isto incentiva minha pesquisa em novos horizontes. Quanto mais pesquiso, percebo que mais existe por pesquisar.
Através do conhecimento das técnicas, gente talentosa ingressa na vida profissional e ativa, quando é capacitada para um ofício das Artes.
Ao elaborar obras com conhecimentos alquímicos, elaborando uma verdadeira “culinária”, aproximamo-nos dos verdadeiros ofícios da arte, tais quais faziam os antigos mestres, que souberam deixar um legado de cultura, capaz de sobreviver à passagem do tempo.
ENCURTAMENTOS TÉCNICOS
Alguns encurtamentos técnicos só são possíveis quando entendemos as propriedades dos materiais empregados em cada técnica. Respeitando os princípios técnicos, podemos encontrar um leque de opções, em função dos materiais aos quais temos acesso. Sendo assim, um artista ou professor que trabalha em uma região afastada dos grandes centros, ou em uma comunidade carente de recursos, não fica mais refém da falta de acesso aos materiais industrializados. Mesmo longe das lojas de materiais e dos fornecedores de tintas industrializadas, podemos fazer pintura de qualidade e em larga escala; se soubermos fazer pigmentos com terras e com outros materiais orgânicos, minerais e animais.
Ao estudarmos os aglutinantes mais empregados antes da revolução industrial, percebemos que basta misturar o coalho do leite e a cal para fazer a caseína, preparar os ovos com um antisséptico para pintar em têmpera, e que com cal e areia podemos fazer um afresco. Com a cera de abelha elaboramos a encáustica e com os gotejamentos de uma árvore, obtemos uma resina. Podemos fazer nossos próprios bastões de pastel seco e oleoso, as aquarelas e guaches, e, preparando as madeiras e tecidos, obtemos os suportes necessários à execução de pinturas duráveis.
Isto se chama savoir-faire, know-how, ou seja: saber como fazer. É essencial na arte. Quem sabe a culinária essencial do ateliê, torna-se independente da indústria de materiais, e aproveita-se do melhor que elas podem oferecer, visto que nem todos os materiais são manipulados no ateliê.
Assim como não podemos considerar um “chefe de cozinha”, alguém que só sabe abrir latas de conservas, não podemos chamar de “mestre da pintura” um indivíduo que só sabe espremer tubos industrializados.
A arte que resiste ao tempo, sem estar atrelada aos fenômenos artificiais do mercado, passa, necessariamente pelos conhecimentos dos materiais. Por isto, as chamamos de artes plásticas. Pois envolve o conhecimento das características plásticas e físico-químicas dos materiais. Isto sempre ocorreu na história da arte: os artistas e os monges pintores sempre trabalharam com os elementos do seu entorno. Os monges iconógrafos escolhiam madeiras do entorno dos mosteiros, os pintores de retratos romanos e Egípcios, autores dos famosos retratos de Fayoum, escolhiam seus pigmentos, madeiras e aglutinantes, dentro do que lhes era possível encontrar em suas cercanias. Pintavam com cera de abelha ou têmpera de ovo. É interessante que (ao investigarmos mais profundamente) a técnica da cera púnica é um prenúncio da fórmula da cera saponificada e emulsionada, que ainda é empregada em nossos dias, ao contrário do que creem alguns restauradores pouco informados. Sim, a cera de abelha já era saponificada na antiguidade, a pintura em encáustica não era somente uma pintura com cautério, realizada à quente, como creem alguns.
Estas e outras descobertas, como as grisalhas feitas por Hervé Debitus seguindo as fórmulas dos vitralistas medievais, são contribuições à pesquisa e aos materiais, de grande interesse para as Artes. Tanto que Debitus recebeu um prêmio do Ministério da Cultura, na França, para formar uma discípula. As técnicas não podem morrer.
É preciso que alguns “teimosos” as preservem do arrasamento, da destruição e da desconstrução contínua, que resulta em vazio, proposto pelas facilidades sugeridas pelas fórmulas de sucesso fácil da contemporaneidade...
Voltando no tempo, até o final do século XIX, a indústria de materiais artísticos ainda não existia, tal qual a conhecemos em nossos dias. Na França, o pioneiro foi Gustave Sennelier, que, enquanto preparava suas primeiras cores a óleo para seus clientes, percebeu a necessidade do emprego de uma gama de pigmentos de primeiríssima qualidade, com origens bem verificadas, e características químicas bem precisas. Respeitando estas exigências, conseguia assegurar a conservação dos tons originais, e a perenidade das obras dos artistas de seu tempo, que hoje estão museus e coleções, em vários continentes.
Graças à escuta dos artistas e de suas necessidades, Sennelier elaborou novas gamas de produtos. Sua fórmula de têmpera foi elaborada em 1895, a partir das receitas dos mestres do século XIV. Gustave levou três anos (de 1904 a 1907) para elaborar a gama de pastéis. Sua manufatura continuou a crescer, sempre manipulando novos materiais, para pintores como Picasso, Cezanne, Matisse, e tantos outros. Ainda hoje, na beira do Rio Sena, bem em frente do Louvre, Dominique Sennelier, herdeiro do legado de seus antepassados, serve, com seus materiais, artistas de todos os países.
Em 2002, na qualidade de Professeur en stage proferi palestra na Ensb-A de Paris, fui apresentado por Dominique Sennelier à Jean-Roch Sauer, então vice-presidente da Sennelier e Raphael, iniciando uma trajetória de amizade, informação e colaboração mútua com este novo Pére Tanguy de Saint-Brieuc. Neste convívio, pude ampliar meu aprendizado de materiais, e partilhar novas formulações.
Ainda hoje, vemos nos Museus, obras que envelheceram mal, devido à utilização de materiais inconstantes na pintura. Quando nos debruçamos com mais atenção sobre algumas obras, percebemos que até mesmo grandes mestres fizeram experimentos, que resultaram em complicações na preservação das obras. Da Vinci empregou aglutinantes orgânicos, talvez uma têmpera, sobre a Última Ceia (Milão), para aumentar seu tempo de pintura no afresco e 8 anos após sua realização era processado pelo avançado estado de deterioração da obra. Gericault e Delacroix também obtiveram problemas com o emprego de derivados de petróleo, em suas obras, e em tantos outros casos, a experimentação técnica resultou em dificuldades de resistência ao tempo.
O professor James Bloedé, de Análise de Obras, matéria da Ensb-A que segui no Louvre, dirigiu por anos, uma entidade que tem como vocação conter as intervenções abusivas de restauradores nas obras do Museu. De fato, este é outro problema que pode ocorrer. Pior do que isto, algumas obras, em outros locais e ocasiões, recebem intervenções de pessoas sem capacitação específica, por questão de economia aliada à falta de consciência.
As técnicas empregadas na pintura nos propõem o aprendizado de várias lições. Cada (verdadeiro e grande) artista que passa pela existência é como um cometa, deixa um rastro, uma indicação de trajetória, e pode contribuir, através de sua obra, com alguma lição.
Perceber e levar estes conhecimentos até as próximas gerações, documentando-as, é uma forma de assegurar que tenham acesso às ferramentas e procedimentos essenciais para a continuidade da produção artística. Alguns conhecimentos, como na Arte da iconografia Bizantina, são mantidos como uma tradição oral, frequente no mundo oriental.
Desta maneira correm o risco de não ser registrados, de se perder na história, como o que ocorre com algumas técnicas e procedimentos dos ofícios de arte na atualidade.
Em 2002, quando estava na qualidade de professeur en stage na Ensb-A de Paris, meu mestre Abraham Pincas relatou uma fervorosa discussão que tivera com uma colega sua. A professora o provocou, dizendo que durante suas aulas de pintura, desaconselhava fortemente seus alunos a frequentar as aulas de técnicas de pintura. Em face desta alegação e diante da arrogância da Professora, Abraham Pincas argumentou:
-“A Senhora tem todo o direito de não saber os conhecimentos básicos de sua profissão, mantendo-se na ignorância, porém não tem o direito de impedir toda uma futura geração de alunos de ter acesso a eles”.
Esta frase resume uma atitude negativa adotada por parte dos adeptos da arte “contemporânea” e a resposta de Pincas define bem o fato de que a arrogância e displicência de alguns professores condenam muitos alunos a um limbo de desconhecimento técnico, que as teorias e elucubrações teóricas não podem eclipsar.
Para se iniciar uma carreira como artista plástico, é necessário aprender um ofício. Somente assim o artista adquire uma profissão, conhecendo suas ferramentas e os seus materiais.
A regra que valeu durante séculos, não é alterada pela teoria contemporânea. Também valerá nos seguintes: uma obra de arte só passará pela fina peneira do tempo, se for feita com materiais que sobrevivam às leis da química e da física. As tendências (e vigilâncias) estéticas e filosóficas não são maiores do que as regras dos materiais.
Este livro é oferecido e dedicado aos que estudam e pesquisam arte, gente jovem de toda idade, que não negligencia o conhecimento dos séculos de Arte, renovando sempre.
Não existe evolução possível, se houver desdenho das lições dos antepassados. Quanto mais estudamos arte e técnicas, mais entendemos a sua importância e o curso natural da história da Arte.
Espero que, através de sua leitura, o leitor desenvolva seu conhecimento e que suas criações possam ser beneficiadas.
Minha atuação como autor é completada e inspirada pelas obras de alguns mestres, escritores, pesquisadores e colaboradores de vários países. Todos eles são, em maior ou menor proporção, coautores deste livro. Por esta razão são citados www.sergioprata.com.br/port/colaboradores.html.
Formamos uma espécie de fraternidade virtual, de transmissão de conhecimentos, neste setor das artes. Partilhar conhecimentos é como ensinar a pescar. Torna o artista independente, livre para criar. É bem diferente de dar uma cesta de peixes. Partilhar conhecimentos técnicos da arte é ajudar a fazer seus materiais. É diferente de oferecer materiais prontos.
A definição da palavra (impronunciável) que designa a ideia de Deus, segundo a professora, iconógrafa e teóloga Hélène Iankoff é a seguinte:
-”Eu sou Aquele que te ajuda a ser aquilo que você deseja e deve ser, com todo carinho, sem imposição.”
Que este livro colabore, de alguma maneira, para que você se realize e realize as obras que deseja, e que sua arte o ajude a realizar-se no que pretende ser, nas proporções de seu talento artístico.
Se isto acontecer, este livro completado sua missão. Será um pequeno reflexo da presença d’ Aquele que é a verdadeira fonte de nossas vidas e de nossos talentos.
Bons estudos, inspiração, saúde, entusiasmo.
Boa leitura.
Sérgio Prata Garcia
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