Relato de Sérgio Prata.
Antes de embarcar para a França, em
julho de 1981, eu freqüentava um pequeno grupo de jovens organizado por
integrantes da recém-surgida Renovação Carismática, em Bragança
Paulista.
Sendo de uma família de
pais católicos atuantes, estudei de 1974 à 1981 no Colégio Sagrado Coração
de Jesus, mantido por madres, onde minha mãe se tornou professora de
religião, após o falecimento de minha irmã Renata, de 8 anos, por
meningite em 1978.
Participei de encontros dos focolari, movimento Gen, e de outros grupos de jovens, nos retiros organizados pelos Padres e Madres de nossa cidade.
Desde 1979, 1980 eu já olhava a parede
da casa onde nos reuníamos e já pensava em pintar um Cristo de braços
abertos, decorando com meu desenho a capela.
Em 1981 ganhei uma viagem à França, com um prêmio nacional de esculturas em areia.
Sabendo da oportunidade de minha viagem,
Dedeu (falecido em acidente de automóvel anos após), um dos mais
entusiasmados animadores do grupo de jovens da Renovação Carismática,
me disse com muita convicção, amparada pelos seus grandes olhos escuros:
-“Sérgio, se você vai à França,
tem que ir até Taizé, uma colina onde jovens de todo o mundo se
encontrar para celebrar a paz em oração ecumênica”.
O alegre e brincalhão Dedeu me trouxe
um livro do irmão Roger e insistiu para que eu visitasse a colina. (o
mesmo que hoje aconselho à com pessoa que busque à Deus e que tenha a
oportunidade de ir até a França).
Dito e feito, após uma semana em Paris,
peguei um
trem até a Borgonha, e fui até a tão falada colina.
No caminho, muitos jovens mochileiros,
em pleno verão europeu, cada mochila com a bandeira de um país
diferente... gente jovem, alegria, gente bonita... Pensei comigo mesmo...vou me divertir...
Quando cheguei no alto da colina, após
ter feito o trajeto de Cluny (onde existiu a maior abadia da Europa) até Taizé à pé, logo fui acolhido ao lado
de centenas de jovens, de minha idade, porém de dezenas de
nacionalidades. Dormíamos em barracas, separados em homens e mulheres, ou
melhor, meninos e meninas.
Eu fui direcionado a me encontrar no
grupo de línguas neo-latinas, onde falávamos italiano, espanhol, português
e Francês, assim como os outros jovens se agrupavam nas línguas eslavas
(nesta época eram poucos), germânicas, anglo-saxões, e assim passávamos
nossos dias, entre oração, estudo bíblico, entusiasmo, violão em volta
da fogueira, bom bate-papo, conhecendo gente do mundo inteiro.
A parte mais orante de nosso dia era
o momento em que nos reuníamos na Igreja da Reconciliação. Por incrível que pareça,
milhares de jovens, agrupados em setores com tradução simultânea,
entoavam cânticos em cânones.
Enfim, aos 17 anos eu descobria um mundo
novo, a vida monástica se apresentava de uma forma jovial, acolhedora,
sem grandes imposições e sem fronteiras.
Enquanto aprendia um pouco das diversas
línguas, lia as cartas do irmão Roger, traduzidas para o Português. Sem
perceber, já absorvia a arte sacra de grande simplicidade e bom gosto que
percebia nos ícones e nas músicas de Taizé.
O irmão Roger, naquela época, para
mim, era somente um monge (ele tinha então 66 anos) que tinha o dom da
acolher e ouvir os jovens. Sua oração se resumia muitas vezes em poucas
frases tiradas do evangelho.
Na Igreja da Reconciliação, com luz
suave, todos os jovens se ajoelhavam sobre um enorme carpete de cor
quente, o altar, simples, tinha tijolos vazados, onde dezenas de velas
eram acesas.
Na sexta-feira a noite, a celebração
era diferente, ao entrarmos na Igreja, recebíamos velinhas finas e
brancas. Em determinado momento da oração, as crianças que sempre
rodeavam Irmão Roger acendiam suas velas e transmitiam a luz para as
centenas de jovens que lá estavam.
Em outra ocasião, aprendi a rezar em
torno do belo ícone de Cristo crucificado, ícone pintado por um irmão
da Comunidade.
Os jovens se aproximavam da cruz, que
era deitada perto do altar.
Pouco a pouco cada jovem colocava a
testa, se inclinava sobre a cruz e era convidado a colocar tudo o que lhe
pesava sobre a cruz do Cristo, como que derramando sobre esta cruz seu
fardo pessoal.
Após esta semana em Taizé saí
viajando a Europa, com um passe de trem válido por dois meses. Saí de
Taizé com um grupo de Portuguesas, já interessado por uma
sorridente Portuguesinha que lá estava, ora pá.... Coisa de jovem.
Quando cheguei em
Milão, desci do trem, pois achava que não poderia dar continuidade à um
namoro, chegando na Europa. Em Milão assisti um show de Ray Charles,
diante da bela catedral gótica. Inesquecível. Estive então na Suíça,
Itália, Grécia, Áustria, passei pela Alemanha, onde não quis ficar com
medo de um possível atentado (em 1980, Munique sofreu um atentado
chocante).
Voltei à Paris, para dar início aos
meus estudos de arte, e em dezembro de 1981 fui até Londres para o
encontro internacional de Taizé.
Alojado em uma Igreja, acabei por
encontrar o mesmo grupo de amigas portuguesas.
Os portugueses insistiram para que eu
fosse conhecer Portugal, e lá fui eu de carona com eles, em ônibus até
Lisboa, fui alojado nas casas dos amigos, ao norte de Lisboa, no Algarve e
na cidade do Porto.
Começava a perceber que na realidade
Taizé era uma grande família. Unidos em uma experiência inesquecível
de fé, simples como é simples o ideal do amor, eu fui recebido também
em Madrid por amigos que conhecera em Taizé.
Taizé era um local onde de vez em
quando eu sabia que podia encontrar uma enorme fraternidade, inúmeros irmãos,
de países os mais diferentes, com quem podia partilhar minha vida, meus
anseios, meu desejo de um mundo melhor.
De volta à Paris, fui aceito nos exames
da escola de Belas Artes, após quase um ano de preparação. De minha estadia em Taizé, trouxera a
amizade de três Franceses, Armelle, Mireille e Luc, e formamos um grupo
que ia até Saint Gervais, participar da oração. Depois saíamos comer um
crepe no Quartier Latin. Mireille e Armelle, continuam a ser minhas
amigas, e nos reunimos, com suas famílias, sempre que temos a
oportunidade.
Pouco tempo após, já vivendo na Comunidade Assuncionista de Cachan, soube que Madre
Teresa de Calcutá viria à Taizé, na Borgonha.
Não tive dúvida, fui até Taizé de
carona.
Já naquela época, quando eu colocava
algo na cabeça, tinha que fazê-lo. E rezar ao lado daquela mulher Santa e
daquele homem Santo era algo que eu tinha que fazer.
Após algumas caronas a mais, cheguei
enfim em Taizé, foi como sentir um alívio.
Participei da oração com Madre Teresa,
que orava em grande ternura e intimidade com Deus.
Tinha a impressão de ter cumprido um
dever. Eu era um simples jovem Brasileiro, pensava muito positivo e era
idealista a ponto de deixar meu país e minha família, era um tanto ingênuo,
vivia uma fase bastante altruísta e começava somente ali a conhecer
um pouco mais sobre o ser humano.
Ir até Taizé era como retomar forças.
Para encarar a vida em um país estrangeiro, longe de minha família, de
meu país.
Ao sair da oração noturna na Igreja da
Reconciliação, fui entrevistado por uma televisão Francesa. Lembro-me
somente de uma repórter que acendeu uma luz ofuscante sobre meu rosto e
me perguntou como eu me sentia. Eu respondi que estava maravilhado...
Em Paris, um amigo da comunidade comentou que assistiu
a curta entrevista e que eu parecia iluminado, entusiasmado, estava
renovado, completamente, pela inserção no mundo da espiritualidade
extremamente simples e sensível que aquela pequena e humilde mulher santa partilhou com as
centenas de jovens que ali oravam....
Tive a chance de voltar à Taizé, em um
Natal, com muitas saudades de casa....lembro-me que desta vez, no frio
intenso, distante de casa, as saudades bateram fortes, nesta ocasião,
lembro de ter chorado, de ter colocado o peso que já vinha sendo grande,
sobre a cruz...o choro e a tristeza tentaram me pegar...
Por vezes abatido com as dificuldades de minha vida financeira, pois era um estudante estrangeiro, sem bolsas de estudo,
sentia uma revolução dentro de
mim...e ouvia o Irmão falar de paz...enquanto eu ainda
a procurava, esta paz interior...
Novamente de coração refeito, alma
recarregada e de cabeça erguida, podia olhar novamente para os outros. Eu estava
tentando me tornar gente grande, amadurecer, crer, ter fé, tentava
aprender a rezar... E Taizé era um bom lugar para isto.
Fui ao encontro internacional de jovens
de Taizé em Roma, onde milhares de jovens foram se encontrar com o Papa
João Paulo II. Fui designado para acolher os jovens provenientes dos países
latinos.
Per il pranzo e cena, per favore, dizia no meu italiano esbagliato..., enquanto servia o lanche dos jovens. Fui alojado na casa da
diocese Brasileira.
Escapei do encontro com uma simpática amiga
Brasileira um dia para ir de Trem até Assissi, onde assisti à missa de
reveillon no sub-solo da bela Igreja de São Francisco. Mais luz, mais
alegria, saltávamos pelas ruas desejando auguri, tanti auguri, feliz ano
novo...
Já era conhecido de alguns irmãos da
comunidade.
Luc, um amigo que conhecera na primeira
estadia na comunidade, foi morar em Taizé, como interno,
usufruindo do estatuto de objeção de consciência, ou seja, em lugar de
aprender a lidar com armas, servindo o exército, o jovem Francês já
podia, na década de 80, solicitar a prestação de serviço social, por
razões de convicção religiosa e moral.
Ficou interno um bom tempo.
Eu conheci também o Irmão
Armin, português. Na época ele me perguntou sobre a política no Brasil,
eu falei sobre a nossa esperança de mudança na época. Muita
coisa mudou desde então. E conheci também o irmão Joaquim, Brasileiro.
Os dois saíram da comunidade...quanta coisa mudou...o que dizer...
Após as orações, os irmãos ficavam
mais um pouco dentro da Igreja para conversar com os jovens. E convidavam
alguns deles para tomar uma sopa na casa dos religiosos.
Em algumas das vezes que eu fui até a
colina de Taizé, fui recebido pelo Irmão Roger. Isto aconteceu cerca de
3 ou 4 vezes.
Em 1982, levei até o Prior de Taizé
minha avó, minha tia e uma prima, em viagem na França. Ele nos convidou
a ficar no apartamento da comunidade em Roma. Ele era de uma gentileza e
generosidade sem limites.
Lembro-me de ter observado o este olhar
terno, de um ser humano plenamente realizado, contemplando a bela
natureza, com sua forma poética de se exprimir.
Tudo exalava harmonia e paz.
Ele dizia não saber o que havia de tão
bom em Taizé...talvez esta natureza tão bela....e seu cão ao lado dele,
em uma pequena varanda situada para o lado leste...acho...
Taizé é um lugar raro no mundo...onde,
sinceramente, após algumas orações, em perco a noção de onde fica o norte.
Isto já foi explicado pela ciência.
É difícil para mim até hoje saber
onde nasce o sol e onde se põe o sol na colina de Taizé. Algo difícil
de acontecer, pois meu sentido de orientação é muito bom.
Acho que Taizé é um lugar onde eu vou para regular a bússola de meu espírito.
Os anos passavam e eu continuava
estudando em Paris, onde participei também do encontro com os jovens de
Taizé.
Durante uma de minhas visitas à casa
dos irmãos, tive minha experiência mais importante, que significou para
mim uma descoberta interior sobre a comunhão.
Quando fui convidado pela primeira vez
para participar do souper (sopa da noite) com os irmãos de Taizé, logo
após da oração noturna, pensava comigo mesmo, na expectativa que tinha
em relação ao Irmão Roger, cujos livros e cartas lia com interesse, Eu
pensava que iria sentar-me à uma grande mesa, que Irmão Roger falaria
algo de grande profundidade, talvez até um tipo de apresentação formal
e costumeira da comunidade....que nada....
Entramos na casa simples, com poucos móveis,
fomos até uma sala sem cadeiras, sentamo-nos no chão, ou talvez em
banquinhos pequenos, bem simples.
A sopa foi colocada no centro da mesa, e
o Irmão Roger, em silêncio, com um sorriso acolhedor, com seu olhar
sempre emocionado, serviu cada um dos irmãos, em silêncio.
Durante este silêncio, eu reconheci no
que acontecia, no seu modo pacífico e servil de repartir do pão, uma
comunhão. Irmão Roger com sua veste branca iluminada por fraca luz foi
capaz de transformar um simples e silencioso repartir do pão em uma
revelação do mistério da comunhão.
O simples ato de servir uma sopa e pão
ao próximo, quando feito de maneira simples, de forma silenciosa, humilde
e com amor se transforma em um sacramento de comunhão.
Refletindo sobre este repartir o pão é
que penso as vezes que Cristo, repartindo o pão, não estaria
simplesmente sugerindo que repartíssemos uma hóstia consagrada, mas que repartíssemos fraternalmente e com amor todos os recursos dos
quais dispomos.
Sei que é uma utopia sonhar que todo
ser humano fosse capaz de partilhar, de deixar a ganância e o apego
material de lado, mas ao mesmo tempo, o que será do mundo se perdermos
todos a capacidade de sonhar?
Isto me faz lembrar de uma frase de Dom
Helder Câmara, que também conheci em Paris:
-"Quando eu dou comida aos pobres me chamam de Santo, quando pergunto
por quê eles não têm comida me chamam de comunista..."
Sendo jovem, só me chamavam atenção homens de fé
capazes de grandes feitos, de grandes enfrentamentos, capazes de mover
montanhas.
De férias no Brasil, quase fui visitar
Freddy Kunz, que escreveu o livro "A burrinha de Balaão".
Troquei cartas e telefonema, porém a distância e o investimento me
fizeram ficar um pouco mais com minha família.
Este religioso chegava a ser tão
radical em sua opção pelos pobres que passou a escovar os dentes com sabão,
quando soube que alguns pobres não tinham creme dental. Fez campanha na
favela, para que os pobres comprassem Leite, ao invés de Coca-Cola.
Estes “loucos” de Deus tinham a
irreverência necessária ao jovem que eu era, que tanto desejava mudar o
mundo, em pleno tempo de guerra fria.
Em Taizé discutíamos a guerra fria. A
comunidade não tinha os pés fora do chão, como se pode imaginar. Não
se exilavam do mundo, ao contrário.
Em 2002, quando finalmente lá voltei, a discussão
já era sobre outra atualidade...a necessidade do perdão da dívida dos países
pobres, a questão do dinheiro que viaja e se transfere no mundo, sem compromisso
com a qualidade de vida dos povos e a produção, que especula de país em
país, sem vínculo com o emprego, buscando somente o maior lucro, para
beneficiar à tão poucos...
Tive a oportunidade de conhecer Dom
Helder Câmara, quando fui ao lançamento da "Sinfonia dos dois mundos",
composta pelo religioso em parceria com um maestro europeu, na Igreja de la
Madeleine. Dom Helder era amado pelos católicos Franceses.
Parece que os Franceses sabem reconhecer muito
do que é bom em nosso país.
Incentivado pelo Hervé, estudante de teologia,
saí da platéia e me dirigi até Dom Helder, antes que começasse a
sinfonia, e lhe pedi uma benção.
Neste período eu vivia em uma comunidade Assuncionista, em Cachan, ao sul
de Paris. Era freqüentemente
questionado pelos Padres, que desejavam saber se eu
desejava ingressar na vida religiosa...eles tinham interesse em ver minha
dedicação integral à causa da congregação....e até sabiam apontar os
melhores aspectos da vida religiosa, de forma clara...eu não sabia
sinceramente se devia, nem se conseguiria ser um religioso, pois sentia falta
de uma namorada, uma mulher, companheira...
Voltando à benção de Dom Helder Câmara,
o que ouvi foi uma bela e certeira resposta ao meu questionamento:
-“Que Deus te abençoe lá onde você
deva estar, no que você tiver que ser”.
A mensagem foi clara como o sol de
meio-dia: eu era estudante de arte, amava a arte mais do que tudo, era
cristão, sonhava em pintar uma Igreja....deveria continuar meu trajeto,
dentro da arte, quem sabe um dia a arte sacra daria um sentido à minha
dedicação e proximidade com a Igreja....
Pouco tempo se passou e eu deixei a
comunidade de Cachan, onde residia com mais 15 jovens em período de
questionamento vocacional, foi um tempo desgastante, morando com jovens
que co-habitavam com o
capelão da prisão de la santé, Pe. Arthur Hervé, acolhíamos os chamados "casos sociais"; ex-prisioneiros, tentávamos inseri-los novamente na
sociedade...difícil tarefa, feita até hoje pelo Pe. Arthur no bateau
chappelle de Conflans St. Honorine, a beira do Rio Sena.
Fui morar em Auvers-Saint-Georges, uma vila de 600 habitantes,
situada a 48 km ao sul de Paris. Meu afastamento da Igreja teve diversas
razões, eu acho que exagerei na dose...me dediquei demais, esperei
demais, fui muito altruísta e paguei o preço de minha ingenuidade, com meu desgaste. Por várias
vezes tentava ingressar novamente, achar um espaço.
Nas diversas tentativas de volta à
Igreja, tudo era muito distante da profundidade espiritual e da amplidão
de espírito que vivi em Taizé.
Ecumenismo, nem pensar, na Igreja Brasileira, ouvia discursos de
segregação. A falta de formação teológica de alguns não permite este movimento de amplitude espiritual...Ainda não era hora de participar.
Muito distante das orações que
participava em Paris, na comunidade da Igreja de Saint-Gervais, com meus
amigos Luc, Armelle, Mireille e depois com Lígia.
Na Europa, participei de orações com
odor de incenso, imersas em uma arquitetura que levava à Deus, orações
de grande contemplação, com arte balanceada nos cânticos, nos ícones e
nas paredes, profundidade espiritual nas mensagens.
No Brasil, tudo era diferente. Igrejas
com luzes fortes, músicas tipo "chelengo-lengo"...que muitas vezes nem inspiram e nem
aconchegam...até atrapalham a oração...o famoso espírito de festa do nosso
povo negligencia uma herança cultural linda dos cantos gregorianos,
atualizados e contemporâneos. Felizmente, pouco a pouco, alguns se
inspiram desta fonte, nos nossos dias.
Eu sentia como ainda sinto, falta da oração
simples, da ternura no olhar do Irmão Roger, da camaradagem e do
acompanhamento que se dava aos jovens, sem imposições superficiais, mas
com exemplos profundos.
Taizé não foi feita para nos afastar
de nossas Igrejas, porém muitas vezes é difícil voltar para elas,
quando elas se distanciam do essencial, da simplicidade, do silêncio
necessário para a contemplação do mistério.
Meu retorno até a Igreja se fez então
através da arte, quando Dom Bruno Gamberini, em 1996, me convidou para
pintar a Igreja de Santa Terezinha.
Passei a pintar algumas Igrejas na região, e conheci o
joio e o trigo dentro da Igreja Brasileria. Belo trigo, triste joio. A Igreja faz parte do mundo, e sofre das mesmas crises morais, neste país adolescente.
Felizmente em minha cidade, tivemos a chance de conviver durante anos tendo a bênção de ler artigos e tendo a amizade de um verdadeiro Padre.
Um tanto até que segregado pela própria instituição
secular. Ele foi uma referência de fé, inspiração e sensibilidade. Um homem inspirado. Que sempre soube nos brindar com sabedoria Divina. Um fruto bom, um sal da terra. Raridade.
Não foi o único Padre exemplar que conheci. Existem outros, até na
nova geração. Felizmente. Como todo homem honesto, foi perseguido, algumas vezes, pelo
poder, quando o poder foi corrupto e corruptor.
- "Vocês não são deste mundo." diz o Evangelho. A mensagem dos profetas vai de encontro com os
interesses deste mundo.
Em 2002, quando pude enfim ir até Paris
como professeur em stage na Belas Artes, fui buscar na fonte, voltei à
Igreja de Saint-Gervais que freqüentava com Lígia, Luc, Mireille e Armelle.
Grande emoção. Reencontrar o respeito à liturgia, à figura do Cristo,
a herança histórica da cristandade.
Recebi a comunhão
na celebração de Saint-Gervais, emocionado.
No fim da viagem, voltei à Taizé.
Participei de um grupo com
franceses, espanhóis de Mallorca, um Padre Belga, uma africana
franco fônica, atuei como um tradutor, arrastando meu espanhol...me confessei com um
padre português, o que não fazia há muito tempo...Que bom que ele nem
quis ouvir direito minhas baboseiras, só me disse que o importante era
dali para a frente...como iria viver...
A comunidade dos religiosos de Taizé não
aceita doações, vive do seu próprio trabalho.
Não recebe heranças.
Este é um grande exemplo de vida, que
poderia inspirar tantas comunidades cristãs.
O trabalho nos dá noções extremamente
importantes, com ele aprendemos o valor do respeito, das coisas materiais,
das pessoas e também valores espirituais...
Estender as mãos e pedir, além de
humilhante, parece não celebrar a troca necessária, de esforço e dedicação
contra retorno de meios.
Pessoas que não trabalham, freqüentemente perdem a noção do respeito ao
ser humano.
Quantas vezes vemos na vida vemos na Política e na Igreja pessoas que
perderam completamente o sentido do esforço, do trabalho e do
respeito...pois vivem do que é dos outros. Vivem de impostos, de
arrecadação, estendendo a mão, impondo por lei humana ou divina os
recursos para sua própria sobrevivência...
Trabalhar é uma grande escola de
honestidade, de humildade, de respeito ao próximo.
Quando eu era adolescente, trabalhei costurando tendas em Taizé em pleno
inverno, limpei os banheiros, carreguei fardos de feno nos campos no
verão, sempre com alegria. Quantas vezes lavamos a louça e servimos a
refeição....Escola de vida.
Em Taizé (2002) assisti à uma palestra sobre iconografia, e nos encontros
de sexta feira aplaudi a exibição de danças e canções de diversos
países. Que beleza. Comi as cerejas mais saborosas de minha vida, de noite, em cima dos galhos da enorme
cerejeira da vila que fica logo acima de Taizé, onde estava alojado.
Desta vez fui alojado como adulto, para minha surpresa.
O tempo passa.
Por dentro continuava me sentindo jovem, alegre e feliz por estar ali,
como aquele adolescente inexperiente
que chegara na colina pela primeira vez a 21 anos atrás.
Dei um longo e apertado abraço no Irmão Roger, na noite da sexta-feira, e
tive um bate papo gostoso antes de partir no
sábado.
Neste último sábado, ele me convidou
para almoçar com os irmãos da comunidade.
Eu lhe respondi com grande pena que meu
ônibus viria em breve, que eu tinha que partir, ir até Paris, onde
pegaria o avião que me traria de volta à minha casa, no Brasil.
Foi a última vez que falei com este homem Santo.
No fundo de meu ser eu sabia que seria
até arriscado entrar novamente na comunidade, só para participar de um
almoço.
Gostaria de ficar, pintando ícones, participando das orações,
aprendendo línguas, conhecendo gente...
Eu tinha vontade de entrar para não
mais sair, conviver com aquele homem santo, protegê-lo e aprender com
ele até o fim de seus dias, ou dos meus, se viessem antes.
Aprender com ele o que há de melhor em
um ser humano, pois o que havia de pior eu já tinha presenciado...nas
minhas andanças, no convívio com pessoas com vícios, sem entusiasmo,
sem fé e sem esperança.
De volta ao Brasil, pintei mais uma
Igreja.
E assim como acontecera nas outras Igrejas que
pintei, brotava em mim a oração intensa em forma de cânticos de Taizé:
Laudate Omnes gentes, Laudate Dominum...
Mon âme se repose en paix sur Deu Seul,
de Lui vient mon salut...
Continuo na busca do que pode ser
poesia, paz, harmonia e santidade, na arte.
Meu sentimento de perda, ao saber da partida de Irmão Roger, expressei através do retrato que fiz no atelier do Frei Pedro Pinheiro.
Um homem que só amou, que só lutou
pacificamente pela paz e pelo ecumenismo, foi imolado diante o altar,
diante de 2500 pessoas. Estas pessoas, assim como eu, só queriam e buscavam um pouco
de paz, de amor, de introspecção, de contemplação do mistério do
divino.
Para mim, e para milhares de pessoas que tiveram a chance de acompanhá-lo, Irmão Roger também foi um
Santo.
Conheci e rezei com 3 religiosos que posso afirmar com certeza serem Santos: João Paulo
II, Madre Teresa de Calcutá e Irmão Roger.
Pouco importa se a Igreja Católica
levará anos
para declará-lo Santo. Ele foi maior que uma denominação. Viveu em
reconciliação, como dizia.
Eu o presenciei Santo, durante duas décadas.
Como diria Irmão Roger:
-
“Nada é grave, exceto perder o
amor”.
Em maio de 2006 estive
novamente em Taizé, com meu amigo e incentivador Jean Roch SAUER,
vice-presidente das empresas Sennelier e Raphael, que estava debilitado por
um câncer.
Eu o convidei para visitar Taizé, que ele pudesse se "religar" com o mundo superior, já que
ele corria risco de vida, atingido por séria enfermidade. Ele tinha crenças
Budistas, e eu o acompanhei igualmente até um monastério budista, para que
ele se reencontrasse com o ambiente que teve oportunidade de conhecer na
Índia e Tibet, quando era jovem.
Na Borgonha, ficamos hospedados na bela propriedade onde vivem o músico Eric Bensousan
e sua esposa, a pintora de trompe l´oeil Elodie Rosier, minha ex-aluna de Curitiba,
sobrinha do meu amigo e colecionador Max Veille.
No final das quentes tardes do verão (fazia 43 graus), pegávamos o
carro para ir até Taizé, e desta forma, pude participar por 3 noites da
oração, convivendo um pouco com esta comunidade, que vem se renovando, desde
a partida do irmão Roger. Falei com alguns irmãos, freis de Taizé, após a
celebração, e com o novo prior, único irmão que me havia reconhecido em
2002.
Agosto de 2008
Nova oportunidade de visita à Taizé, no retorno da viagem que fiz, para conhecer
os monastérios de Meteora e do Monte Athos, da Grécia.
Passei uma semana muito boa, com um grupo de Portugueses. Novas amizades,
reflexão bíblica, bate papo com alguns irmãos de Taizé, 3 religiosos em nosso
grupo...
Com o grupo de Brasileiros e estrangeiros
que viveram no Brasil. Gente que trabalha em comunidades, em cooperação com os
carentes...
Nas orações, nas
músicas, no silêncio e na contemplação, opera-se um milagre... A gente descobre
uma presença. Se renova.
O caminho espiritual é longo, e em Taizé, colocando-se humildemente diante desta
presença Divina, a gente se renova.
Os relatos dos mais diversos participantes declaram que uma mudança acontece, ao
fazer esta experiência. Para mim, um banho de paz, serenidade, confiança. Tudo o
que precisamos para seguir adiante.
Uma parte de nosso grupo, dos adultos que falam
Português, no encontro de agosto.
Relendo os livros, lendo o que se escreveu de novo, vendo o DVD, percebo que
existe uma sutileza no espírito de Frère Roger, uma poesia da espiritualidade,
de doçura de conduta, mesmo quando trata de assuntos muito difíceis.
Ele
conviveu com a guerra, a perseguição, a miséria... mas soube buscar na fonte que
não se esgota, no Espírito Santo... e multidões de jovens vieram rezar com ele,
em busca de paz, silêncio interior, engajamento....
Desta vez, pude conversar com Irmão Alois, atual prior, mas também com alguns
dos irmãos que acompanharam mais longamente o fundador, sobre meu desejo de
manter uma ligação mais estreita com a comunidade, ainda em busca de minha
vocação... refletindo sobre o tema, a gente descobre o nosso lugar... as
necessidades de um artista...
Recebi da Lídia, de Portugal a seguinte mensagem:
Desde que regressei de Taizé que tenho
andado a ler os livros que lá comprei, e de um deles cito uma frase do Irmão
Roger:
- "Há mãos de artistas que, com a sua criação, nos fazem discernir rostos do
Evangelho a tal ponto que um simples olhar pressente o mistério de Deus".
Lídia continua:
"Foi isto que senti (ao visitar o site, referindo-se à obra da Capela da Univap,
onde aparecem os anjos músicos na obscuridade, sob luz ultravioleta.). É preciso
também darmos graças a Deus pelos dons que nos concede e o Sérgio é um
verdadeiro artista, pois, para mim, uma obra de arte é aquela que me emociona, e
assim fiquei, maravilhada"...
O carinho e a amizade de pessoas de tão bom
coração faz um bem enorme...
Espaço de alegria da alma, Taizé tem também algo de maravilhoso: é
um espaço cosmopolita. Fala-se todas as línguas. Gente jovem, adultos e
idosos vem de todos os países. É um exemplo do quanto o espírito da fé e da
alegria é universal. A mensagem vivida e debatida, durante os encontros, é contemporânea. Existe espaço para o silêncio e a
adoração, em meio ao mundo moderno.
Acho que irei a Taizé sempre que tiver a chance. E que o ecumenismo,
justamente, é o único caminho para um verdadeiro cristianismo.
Em viagem no Monte Athos em 2008, imerso no berço da Ortodoxia, para ampliar meus conhecimentos em iconografia Bizantina, pude conversar longamente com monges ortodoxos, e aprender sobre as alegações e razões históricas da cisão entre as Igrejas do Oriente e Ocidente, fazendo um exercício de diálogo e respeito ecumênico. Pude aprender mais sobre a arte da iconografia Bizantina, que eles preservam com tanta propriedade, com tanta técnica e respeito. Quem dera nossa arte contemporânea ocidental aprendesse um pouco sobre respeito com a cultura deles...
É de se comemorar
toda iniciativa sincera, de verdadeiro ecumenismo. É um caminho para a paz, pois
o que nos une é muito maior do que o que nos separa. O entendimento entre os Cristãos é um passo necessário para o sucesso do diálogo inter-religioso, que pode inspirar a paz mundial, evitando o choque entre as culturas, que gerou tantas "guerras santas" e conflitos nos quatro cantos do mundo.
Se você está em busca de uma experiência de fé e de convívio entre pessoas de diferentes culturas, vale a pena visitar
Taizé. Pois é um local único. Uma fonte onde podemos saciar a nossa sede de paz, de Deus, de entendimento entre os povos.
O site da comunidade é www.taize.fr
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