Na atualidade, descobrimos cada vez mais sobre a toxicidade dos diversos alimentos que ingerimos (dos pesticidas que são empregados em sua produção) dos líquidos que bebemos, do ar que respiramos, e dos materiais com os quais trabalhamos.
Acontece de fato uma tomada de consciência, com a evolução da tecnologia, com o progresso dos conhecimentos da medicina ocupacional e dos métodos de análise e detecção.
Todo artista profissional, que já tenha passado anos manipulando materiais artísticos e pintando suas obras, sabe, por bem ou mal, que corre riscos de intoxicação, se não tomar alguns cuidados. Todos pagam um preço com sua saúde, quando se expõem longamente a alguns materiais, sem as devidas precauções. Antes de entrar no seu ateliê de pintura, você deve se perguntar: os materiais que você vai utilizar para fazer sua arte podem prejudicar sua saúde?
Muitos artistas surpreendem-se ao constatar que alguns materiais artísticos apresentam quocientes de toxicidade, pensando que os materiais profissionais são inócuos, como são muitas das tintas utilizadas pelas crianças.
De fato, não devemos nos habituar com os “odores” do ateliê, mas proteger-nos deles.
Alguns maus hábitos empregados pelos artistas, como o de refazer a ponta dos pincéis com a boca, comer ou fumar durante e no local do trabalho, respirar poeiras de pigmentos em suspensão no ateliê, estão na origem de muitos casos de intoxicação dos artistas. Um bom sistema de aeração, o uso de luvas, aventais e máscaras de proteção, a lavagem dos rostos e mãos, evitar toda alimentação e o ato de fumar no espaço do ateliê, são algumas das medidas preventivas essenciais, para quem quer se proteger dos grandes transtornos causados pelas intoxicações ocupacionais do artista.
Bernardini Ramazzini, conhecido como o precursor da medicina ocupacional, em seu livro De Morbis Artificum Diatriba (Doenças dos Trabalhadores), publicado na Itália em 1713, descreve pela primeira vez as doenças de diversos grupos de trabalhadores, entre eles, os pintores, entalhadores de pedras e ceramistas.
Cita, entre outras coisas, que observando os pintores que conheceu, nenhum aparentava ter boa saúde, e lendo a história dos pintores, constatava que vários deles, sobretudo os de maior fama e reputação, não tiveram vida longa.
Enumera os pigmentos com os quais os pintores manipulavam suas cores no século XVIII, como sendo a origem de doenças típicas desta atividade: vermelho de chumbo, cinábrio (mercúrio), branco de prata (chumbo), e também descreve os vernizes, óleo de linhaça e de nozes, e diversos pigmentos contendo substâncias minerais nocivas à saúde.
Nos tempos atuais, pesquisadores especulam sobre o fato de que algumas das doenças de artistas famosos foram causadas por intoxicação por materiais. Dr. Bertram Carnow, da Universidade de Saúde Pública de Illinois sugeriu que a insanidade de Van Gogh foi causada por intoxicação por chumbo, e que as estrelas pintadas em seus quadros são um efeito ocorrido em seus nervos óticos, afetados pela intoxicação por chumbo (saturnismo), agravada pela ingestão de coquetéis feitos com absinto e essência de terebintina (altamente tóxica se ingerida), que ele mesmo preparava.
É sabido que este artista empregava o Amarelo de Nápoles verdadeiro, que continha chumbo, e outros pigmentos altamente tóxicos. A longa e famosa trajetória de insanidade de Van Gogh, tratado em hospitais de Arles, que o levou a cometer suicídio quando ainda era tratado por Dr. Gachet, em Auvers-sur-Oise, são tidas por muitos autores como sendo esquizofrenia ou loucura, mas não intoxicação por chumbo, absinto e terebintina.
Dr. William Niederland sugeriu que Goya teria sofrido de intoxicação pela grande quantidade de branco de Prata (chumbo) que empregava, em suas fases mais produtivas, e não de esquizofrenia ou de sífilis, como acreditavam os antepassados.
Em 1954, Dr. Xavier, o médico que tratava de Cândido Portinari descobriu que as tintas tóxicas provocavam alergias em seu paciente e o proibiu de pintar. - “Estou proibido de viver...” disse o artista, que continuou a pintar, com menor frequência. Seu médico aconselhou-o então a escrever. Portinari passou a escrever versos, ilustrando-os com alguns desenhos e lamentando-se de que seria um ótimo poeta, caso fosse tão talentoso com a caneta, como era com os pincéis.
A morte de Portinari aos 59 anos de idade (1962) é atribuída ao saturnismo (intoxicação por chumbo). O grande muralista Brasileiro foi mais uma vítima da química contida em pigmentos como o amarelo de Nápoles, Branco de Prata e de alguns verdes. Os metais tóxicos dessas cores estavam na origem da hemorragia intestinal que o fez agonizar até a morte.
“LOUCO COMO UM CHAPELEIRO”.
A intoxicação por origem ocupacional é bem ilustrada pela figura do “chapeleiro maluco” em Alice no País das Maravilhas, uma alusão à “Dança de São Vítor”, síndrome caracterizada por movimentos involuntários contínuos dos músculos da face e das extremidades, além de distúrbios psiquiátricos, que afetou muitos trabalhadores expostos ao processo de feltração, nas oficinas de confecção de chapéus, na Inglaterra do Rei Eduardo VII (1902).
Os operários expostos continuamente ao nitrato de mercúrio utilizado na feltração apresentaram a doença, que ficou conhecida como “loucura dos chapeleiros”, origem da expressão “mad as a hatter”; ou seja; tão louco quanto um chapeleiro.
MERCÚRIO
Além da atividade do chapeleiro, existem cerca de noventa atividades profissionais expostas ao contato com o mercúrio, líquido inodoro e de coloração prateada, entre elas, as indústrias de cloro-soda, de equipamentos eletrônicos, a confecção de termômetros, lâmpadas fluorescentes e de néon. A cada vez mais ampla utilização do mercúrio em finalidades industriais e o emprego de compostos de mercúrio durante décadas na agricultura, criaram um aumento da contaminação ambiental, em especial na água e nos alimentos.
A capacidade de permanência do Mercúrio no meio ambiente é uma agrava a contaminação. A biotransformação por bactérias do mercúrio inorgânico a metilmercúrio é responsável pelos elevados níveis deste metal no ambiente.
O mercúrio e seus compostos são encontrados na produção de cloro e soda cáustica (eletrólise), em equipamentos elétricos e eletrônicos (baterias, retificadores, relés, interruptores etc.), aparelhos de controle (termômetros, barômetros, esfigmomanômetros – instrumento que mede a pressão sanguínea), nos laboratórios químicos e de fotografias, corantes e tintas (pigmentos), amálgamas para obturações odontológicas, fungicidas (confecção da polpa do papel e conservantes de madeiras, plásticos, etc.), metalurgia, lâmpadas de mercúrio, laboratórios químicos, preparações farmacêuticas (cosméticos e perfumes), em alguns antissépticos, detonadores, óleos lubrificantes e catalisadores.
Sua aplicação é conhecida também na extração e garimpo de ouro e prata, na indústria de jóias, nas refinarias de petróleo, usina nuclear, na conservação de peles de animais, em alguns produtos para conservação de sementes, inseticidas, fungicidas, e herbicidas aplicados na agricultura.
É empregado em alguns medicamentos, na prateação de espelhos, produção de acetaldeído, desinfetantes e explosivos.
Além dos artistas, portanto, muitos outros profissionais correm o risco de intoxicação aguda ou crônica, ocasionada por este metal líquido, que se volatiliza facilmente, mesmo à temperatura ambiente, dispersando-se e contaminando, assim, a atmosfera do local de trabalho. Quando aquecido, transforma-se em um gás incolor e inodoro, podendo evaporar-se até oito vezes mais quando aquecido entre 20 º C e 50 º C.
A intoxicação por mercúrio é frequentemente constatada por especialistas em Medicina ocupacional, dando origem a sequelas e óbitos. Algumas doenças ocasionadas por este metal são diagnosticadas erroneamente, quando o profissional da saúde não conhece o histórico ocupacional do paciente, que pode conter exposição ao mercúrio por inalação, absorção cutânea e por via digestiva.
Na intoxicação por inalação, que ocorre em cerca de 80 % dos casos, sabe-se que cerca de 80 % do mercúrio inalado fica retido no organismo, depositando-se em órgãos como o rim, fígado, testículos, tireóide, membranas do trato intestinal, glândulas salivares, medula óssea e baço; atravessando a barreira hemato-encefálica e alojando-se no sistema nervoso central, Em grávidas, atravessa a placenta e atinge o embrião. A inalação de gases de mercúrio pode gerar letargia, excitação, tremores nas extremidades, convulsões, febre, taquipneia, dor no peito e vários outros sintomas.
A eliminação do mercúrio é feita através da urina, das fezes, da saliva, do suor e da respiração. A permanência desse metal no corpo humano pode durar, em média, sessenta dias, porém a permanência no sistema nervosos central pode ultrapassar o período de um ano, e não existem provas de que ele seja totalmente eliminado do organismo, após este período.
Em 1960, em Minamata (Japão) uma indústria que usava metilmercúrio despejou seus resíduos na Baía, contaminando a sua água e seus peixes, causando a morte de sessenta e cinco pessoas, e o nascimento de crianças com distúrbios genético e neurológicos graves.
Em Cubatão (SP) Brasil, vários casos de má formação dos fetos foram encontrados, na década de 80, em função da poluição industrial e ambiente.
Os compostos mercúricos apresentam uma ampla variedade de cores. Nos processos de extração, o mercúrio é liberado no ambiente principalmente a partir do sulfeto de mercúrio. O trato respiratório é a via mais importante de introdução do mercúrio. Esse metal demonstra afinidade por tecidos como células da pele, cabelo, glândulas sudoríparas, glândulas salivares, tireoide, trato gastrointestinal, fígado, pulmões, pâncreas, rins, testículos, próstata e cérebro.
A exposição a elevadas concentrações desse metal pode provocar febre, calafrios, dispneia e cefaleia, durante algumas horas. Sintomas adicionais envolvem diarreia, cãibras abdominais e diminuição da visão. Casos severos progridem para edema pulmonar, dispneia (dificuldade de respirar, caracterizada por respiração rápida e curta) e cianose (coloração azul-violeta da pele e das mucosas associada à dificuldade de oxigenação do sangue). As complicações incluem enfisema, pneumomediastino e morte; raramente ocorre falência renal aguda.
Pode ser destacado também o envolvimento da cavidade oral (gengivite, salivação e estomatite), tremor e alterações psicológicas. A síndrome é caracterizada pelo eretismo (insônia, perda de apetite, perda da memória, timidez excessiva, instabilidade emocional). Além desses sintomas, pode ocorrer disfunção renal.
A Chlorella pyrenoidosa, uma alga verde unicelular, é um bom desintoxicante; pode ajudar na desintoxicação de metais pesados, como por exemplo, o mercúrio e na desintoxicação de pesticidas. O tratamento fitoterápico com pastilhas ou cápsulas desta alga pode ajudar na eliminação dos metais pesados, e pode ser administrado para vitralistas, pintores e ceramistas, sem contra-indicação.
O CHUMBO E O SATURNISMO
A intoxicação por chumbo faz ao deus Saturno, idolatrado na Roma antiga. Os romanos acreditavam que o metal era um presente oferecido pelo deus Saturno e o empregavam na construção dos aquedutos. Produziam o acetato de chumbo, utilizado para adoçar o vinho.
Esta mistura de vinho adocicado por acetato de chumbo, está na origem da intoxicação que seria a causa da imbecilidade, perversidade e esterilidade de alguns dos imperadores Romanos, como Nero, Calígula e Caracala. O Imperador Domiciano projetou fontes das quais jorrava vinho adocicado por chumbo, nos jardins de seus palácios.
Além dos já citados pintores Van Gogh, Goya e Portinari, intoxicados pelas tintas, o saturnismo também é considerado a causa da morte do vitralista e pintor flamengo Dirk Vellert (que viveu entre 1511 e 1547 em Anvers, que teria sido intoxicado pelas grisalhas e componentes dos vidros coloridos) e do compositor Beethoven (cuja fonte pode ter sido a tipografia das suas partituras).
Dietrich e seus colaboradores (2001), após examinarem 195 adolescentes (entre 16 e 17 anos) de Cincinnati (EUA), acompanhando-os desde seu nascimento, notaram que os bebês com índices mais elevados de chumbo no sangue apresentaram maior freqüência de atitudes anti-sociais na adolescência, como brigas de rua, vandalismo e pequenos roubos”. A tendência para violência estaria também entre mais um dos sintomas do saturnismo, segundo este pesquisador.
Dr. Etelvino J. H. Bechara, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, cita algumas estratégias terapêuticas para o saturnismo, algumas já em uso e outras sob investigação com animais experimentais; com quelantes de chumbo (CaNa2EDTA, Succimer®, penicilamina, dimercaprol ou BAL) e antioxidantes (N-acetilcisteína ou NAC, ácido lipóico, vitaminas B6, C e E, taurina, etoxiquina, captocapril, caroteno, melatonina, zinco, selênio e, mais recentemente, bioflavonóides) ou uma combinação de ambos. O tratamento com vitaminas, minerais e aminoácidos sufurados também pode ser feito sob orientação médica.
A intoxicação por chumbo tem efeito cumulativo no organismo humano, causando neuropatias, sendo que as intoxicações crônicas podem causar fadiga, irritabilidade, anemia, cefaléia, distúrbios visuais, alterações dos rins e sensoriais, dores nos músculos e ossos. Dores abdominais, como uma sensação de uma barra no estômago, náuseas, vômitos e perda de peso também ocorrem.
As intoxicações agudas podem levar o paciente ao delírio, com forte cefaléia, que pode gerar convulsões, levando até a morte.
Quando atingido devido ao uso contínuo de grisalhas (sem as devidas precauções de proteção de luvas e máscaras) utilizadas em vitrais, que contém teor de chumbo em sua composição, o tratamento com a ingestão controlada e contínua de um quelante natural a base de chlorella, pode dar bons e rápidos resultados de desintoxicação. Esta afirmação é embasada em experiência própria do autor, que foi intoxicado pelo uso contínuo de grisalhas e cores de cementação, em 2006. Produtos à base de chlorella já estão disponíveis no mercado Brasileiro.
O chumbo pode ser detectado na queratina dos cabelos e unhas (portanto, não as roa) através do exame Mineralograma, feito através da análise de um fio de cabelo. É incorporado nos tecidos ósseos, originando a osteoporose, se a exposição for prolongada.
Pode gerar esterilidade e aborto em mulheres.
NOVOS PRODUTOS, NOVOS RISCOS.
A gama dos materiais artísticos é bastante ampliada em nossos dias, pela criação de novos materiais, derivados de plásticos, lacas, solventes, spray aerossóis e outros que podem ser altamente tóxicos, fazendo a infelicidade de muitos artistas.
De fato, os artistas estão desenvolvendo doenças semelhantes àquelas encontradas em operários de indústrias, expostos aos materiais químicos, sem conhecer suas propriedades e toxicidades. Portanto, é possível encontrar doenças em todas as áreas de atividades das artes plásticas, câncer na bexiga dos pintores, intoxicação por chumbo nos vitralistas, ceramistas e outras ocorrências típicas, em cada setor de atividade.
Alguns materiais são tão tóxicos e exigem tantas precauções no manuseio, que não deveriam ser empregados em materiais artísticos. Materiais cancerígenos com o amianto, benzeno (encontrado em muitos removedores) cromatos e bi cromatos, e o cádmio em soldas de prata, são alguns dos materiais que devemos evitar, que não poderiam ser empregados por artistas. Como não existe um nível seguro de exposição a estes materiais, eles devem ser descartados.
Com o decorrer do tempo, vários materiais tóxicos foram descartados pela indústria, que busca produzir produtos mais seguros. Os artistas se apropriaram de materiais industriais, cujos manuseios exigem grandes equipamentos de circulação de ar, como as resinas plásticas, pinturas com base de solventes, resinas poliuretanas, sem fazer o mesmo investimento em segurança, necessários à manipulação destes materiais.
Até 1980, a toxicidade dos materiais artísticos era catalogada levando em conta a exposição única a estes materiais, uma forma inadequada de classificação, visto que os artistas se expõem por períodos longos, repetitivos, em longas jornadas de trabalho.
Até hoje, muitos professores de arte desconhecem a toxicidade dos materiais, e por esta razão deixam de alertar seus alunos nas escolas de arte. Conceitos essenciais, como a circulação do ar, e programas de segurança e saúde são negligenciados, por falta de informação.
Os diagnósticos inapropriados, feitos por médicos sem especialização e conhecimentos sobre a toxicidade dos materiais artísticos, fizeram com que a intoxicação por chumbo fosse tratada como sendo doença psicossomática, e que outras intoxicações fossem tratadas como doenças que na realidade não existiam no indivíduo.
Ao estudarmos a composição química dos materiais, percebemos que cada área de atividade artística exige cuidados específicos, próprios da química à que se expõe o artista. Dr. Michael McCann, em seu excelente livro Artists Beware, descreve detalhadamente o que afeta os artistas, em cada área de atuação.
É um dos mais completos livros sobre toxicologia dos materiais artísticos, segundo Caetano Ferrari, maior especialista e bibliófilo em tecnologia dos materiais do Brasil.
Segundo nos ensina McCann, um ceramista deve adotar cuidados de proteção contra o chumbo, o arsênico e o cobalto presente nos pigmentos que emprega, e proteger-se dos raios infravermelhos durante a queima de suas peças.
Os sopradores de vidro devem procurar uma forma eficiente de proteger-se do chumbo, sílica, arsênico, e das fumaças de metais, ácidos e sais, e raios infravermelhos.
Os vitralistas devem tomar medidas de precaução contra o chumbo contido nas pinturas de grisalhas, e contra as fumaças emitidas no momento da soldagem.
Artista vidreiro na Dordonha, França, 2008.
Os gravadores devem proteger-se dos solventes, ácidos, gases, querosene, poeiras, riscos de explosão, xileno, etc. segundo a técnica de gravura que empregam.
Os pintores devem proteger-se dos pigmentos que contem chumbo, cádmio, mercúrio, cobalto, manganês, mas também dos solventes minerais, terebintina, amônia e aldeídos fórmicos.
Os pastelistas devem proteger-se dos pós em suspensão durante a aplicação das cores dos pastéis que contém chumbo, cádmio, e componentes de mercúrio.
A intoxicação por chumbo é conhecida por saturnismo (ou plumbismo), uma doença que afeta milhões de pessoas, decorrente também da poluição ambiental.
É encontrada também em outras espécies, como as aves aquáticas, que comem peixes que engoliram pesos de chumbo empregados na pesca, ou outros animais, que tiveram chumbo de projéteis alojados em seus corpos.
As principais fontes de intoxicação para os seres humanos são as tintas que contém chumbo, como o branco de prata e amarelo de Nápoles verdadeiro, entre outros, mas também a exposição aos componentes de baterias de automóveis, pilhas, soldas e emissões de gases industriais.
Pessoas com projéteis alojados em seus corpos podem desenvolver o saturnismo, cujas manifestações vão desde amolecimento dos dentes até distúrbios neurológicos variando de um quadro clínico evidente até alterações bioquímicas mais sutis. Os sintomas mais comuns são as dores abdominais severas, úlceras orais, constipação, parestesias de mãos e pés e a sensação de gosto metálico.
O exame físico pode demonstrar a presença de uma linha de depósito de chumbo na gengiva, neuropatia periférica, anemia (porfiria secundária e inibição da medula óssea), disfunção renal, hepatite e encefalopatia, com alterações de comportamento e redução no QI.
Em alguns casos de intoxicação, o tratamento com queladores (ou quelantes) pode aliviar os sintomas como tosse crônica, erupções cutâneas. Em todo caso de intoxicação, procure um médico toxicologista ou ocupacional, e leve até ele informações sobre os materiais artísticos que manipula.
TEREBINTINA
A Terebintina, resina extraída do terebinto (Pistácia terebinthus) e de outras coníferas, possui propriedades voláteis, e ao ser inalada longa e repetidamente pode causar lesões nas vias aéreas superiores, que podem até ocasionar sangramento.
Já em 1829, Paillot de Montabert cita que “alguns indivíduos não suportam os odores dos vernizes e aglutinantes que são fabricados com terebintina, e devem renunciar à pintura a óleo, por causa da irritação nervosa que esta pintura lhes proporciona. De fato, a inalação de seus vapores pode provocar dores de cabeça, fraqueza (anemia), vertigens, náuseas e incapacidade para o trabalho.
Em alta concentração pode provocar irritação das mucosas e dos brônquios, inflamações renais e do sistema urinário (dá à urina um odor de violeta).
Em contato com a pele, pode irritá-la, tornando-a avermelhada. Pode desencadear alergias, eritemas e eczemas, em contato cutâneo, e até ocasionar tumores benignos, em caso de contato prolongado com a pele.
Quando ingerida, pode causar transtornos neurológicos e comportamentais graves, como os que ocorreram com Van Gogh, que segundo especulou Dr. Carnow (este médico diz que Van Gogh tomava um coquetel feito com absinto, onde adicionava uma porção de essência de terebintina).
As essências de terebintinas mais tóxicas são aquelas contendo ∆-3-careno ou limoneno, segundo François Perego.
Em cada país existem leis que protegem a saúde dos artistas, legislando sobre os materiais que podem ser comercializados e distribuídos para os profissionais. Entidades de apoio aos artistas tentam colaborar para a proteção da saúde dos profissionais, alertando-os sobre suas atividades e riscos.
Algumas considerações devem ser feitas, quando nos questionamos sobre como o manuseio dos materiais artísticos pode nos levar a desenvolver doenças.
Fatores como a exposição a um único material ou a vários materiais são relevantes, assim como o grau de exposição aos mesmos. O tempo e a freqüência de exposição, a quantidade de material, devem ser levados em conta, assim como a suscetibilidade pessoal, pois esta difere entre indivíduos.
Portanto, se você utilizar terebintina para limpar uma cerâmica durante 10 minutos por semana, sua exposição (dose de toxicidade) será menor do que se empregar o mesmo material durante horas, vários dias por semana. Devemos levar em conta que o corpo pode desintoxicar-se, se mantido longe dos materiais tóxicos por algum tempo.
Por experiência própria, aprendí que para limpar cerâmicas, é muito mais conveniênte e saudável utilizar o álcool. Após o trabalhar por 2 meses pintando grandes painéis, nos quais limpei cerâmicas e aglutinantes com terebintina, apesar de estar em um grande espaço, com aeração, sofrí de sangramento no céu da boca e garganta. De fato, este solvente tem a capacidade de irritar fortemente as vias aéreas superiores, e por isto deve ser empregado com precauções.
No entanto, quando um artista prepara uma mostra ou exposição de arte, amplia seu tempo de trabalho, diminuindo o período de desintoxicação, ou seja, o período que se mantém longe dos materiais artísticos. Quando o artista aumenta sua jornada de trabalho, diminuindo os períodos de descanso longe do ateliê, amplia o risco de intoxicação. Como muitos artistas tem ateliês em sua própria casa, expõem os membros de sua própria família aos riscos de sua profissão, sobretudo à inalação das poeiras dos pigmentos e materiais, além do tempo em que manipula seus materiais.
Fica portanto o conselho: mantenha um ateliê distante de sua casa, para evitar o convívio prolongado com os materiais.
Em alguns casos, a exposição a um determinado produto químico pode ser prolongado e cumulativo, por ter diversas fontes. Este é o caso da inalação do monóxido de carbono, que está presente na poluição do ar, escapamentos dos carros, espaços mal ventilados, fumaças de fundições e sopro de vidros, queima de peças em fornos, aquecedores e fumaça de cigarros.
O cloreto de metileno contido em alguns solventes é metabolizado no corpo humano, associando-se com o monóxido de carbono. O monóxido de carbono liga-se com a hemoglobina, no corpo, formando a carboxiemoglobina, uma combinação dificilmente dissociável, que impede que o oxigênio necessário para a sobrevivência das células irrigue os tecidos, afetando sobretudo o cérebro e o coração. Se você é fumante, e trabalha com solventes e efetua queimas de peças no forno de seu ateliê, está mais exposto ao monóxido de carbono do que outro profissional. Esta exposição é cumulativa e aditiva, porém o nível de concentração decai após horas longe da fonte de exposição.
A toxidez, que é a capacidade que um produto tem de fazer estragos no corpo humano, deve ser analisada. Alguns produtos apresentam maior toxidez do que outros. Uma dose muito menor de cianeto é muito mais tóxica do que uma maior dose de aspirina, pois estes produtos possuem graus de toxidez diferentes.
O álcool etílico é monos tóxico do que o tolueno. Desta forma, a inalação de uma menor quantidade de tolueno pode torna-lo enfermo. Uma inalação de uma quantidade maior de álcool ocasiona resultados menos tóxicos.
Alguns produtos químicos são eliminados diretamente pelo corpo, ou após serem metabolizados pelo fígado. Enquanto estes produtos estão presentes no corpo, podem se acumular, quando a exposição à fonte de intoxicação é repetida. Alguns metais como o chumbo, mercúrio, cádmio manganês e arsênico se acumulam, pois o corpo só consegue eliminar uma determinada quantidade por dia. Se você absorver mais do que pode excretar, estes metais vão começar a se acumular em seu corpo., causando uma carga de material tóxico.
Um fator de complicação é o fato de que seu corpo pode estar sendo exposto a diversos ingredientes tóxicos, que podem afetar o mesmo órgão. Estas múltiplas agressões podem causar efeitos aditivos, onde a soma de prejuízos ocorridos em um determinado órgão do corpo é decorrente de exposições a diferentes produtos químicos, durante o manuseio de materiais e procedimentos no ateliê.
O manuseio de terebintina e thinner, por um pintor a óleo pode ocasionar mais irritações de pele, causando dermatites decorrentes da soma dos dois solventes.
Em toxicologia, o chamado “efeito sinergético” dos materiais é algo ainda mais preocupante, pois a adição combinada de dois materiais pode proporcionar efeito mais tóxico e prejudicial ao corpo humano do que o emprego de somente um material. Um exemplo típico é o emprego de álcool e alguns remédios. Separadamente, podem causar efeitos graves, se empregados em grandes doses. Combinados, podem ser letais até mesmo em pequenas doses.
Outro exemplo clássico de sinergia é a exposição combinada ao amianto e cigarro. Sabemos que os fumantes têm em torno de 10 vezes mais probabilidades de desenvolver câncer dos pulmões do que não fumantes. Pessoas que trabalham com amianto tem 5 vezes mais risco de desenvolver câncer de pulmão do que trabalhadores que não empregam este material.
Por sinergia, pessoas que fumam e trabalham com amianto tem riscos de 50 a 90 % maior de desenvolver câncer de pulmão do que pessoas que não são expostas a estes produtos tóxicos.
A ingestão de álcool pode causar efeito sinergético com alguns solventes empregados nas pinturas. Portanto, ateliê também não combina com ingestão de álcool. Deixe o aperitivo e o vinho para a refeição do final de semana, quando estiver longe do trabalho.
Algumas pessoas possuem maior suscetibilidade a intoxicações do que outras, por motivos e fatores biológicos, ou por possuírem hábitos, vícios ou ingerirem certos medicamentos. Grandes bebedores de álcool e fumantes estão entre este grupo de risco.
Crianças e adolescentes correm maiores riscos de intoxicação, por terem metabolismo mais rápido, absorvendo mais rapidamente, atingindo maiores concentrações do que em um adulto. Crianças abaixo de 12 anos não devem ser expostas aos materiais artísticos profissionais, da mesma forma, mulheres grávidas devem passar longe do ateliê, pois o feto é facilmente atingido por vários materiais e químicas.
Algumas pessoas que já apresentam doenças, pessoas com algum grau de invalidez ou deficiência dedicam-se também a atividades artísticas. Não são raras as ocasiões em que programas de atividades artísticas acontecem em hospitais, clínicas e em associações que abrigam deficientes. Algumas situações devem ser evitadas, e precauções devem ser adotadas, entre elas:
- Pessoas que sofrem de epilepsia devem ser mantidas longe de solventes, terebintina e thinners. Todos estes produtos podem afetar o sistema nervoso.
- Pessoas com deficiência mental muitas vezes não conseguem ler as etiquetas dos produtos, portanto devem ser monitoradas por profissionais conscientes, que devem escolher materiais não tóxicos.
- Pessoas com distúrbios emocionais e com propensão para dependência química tem tendência a inalar produtos solventes, e por esta razão devem ser mantidas longe deste tipo de produto.
- Pessoas com hepatite não podem ser expostas a solventes orgânicos, sob risco de afecção do fígado.
- Pessoas sofrendo de asma não devem ser expostas a poeiras, sprays, aspersões, pigmentos em pó e produtos tóxicos, como solventes, amônia e outros.
- Pessoas sofrendo de arritmia cardíaca não devem ser expostas a quaisquer solventes, sob risco de ter sua doença agravada.
- Pessoas que ingerem medicamentos que agem sobre o sistema nervosos central não devem ser expostas a solventes e outros produtos tóxicos, sob risco de efeito sinergético. Medicamentos que afetam o sistema nervoso central, são remédios contra ansiedade, sedativos, medicamentos contra arritmia (quinidina e lidocaína), anticonvulsionantes, antidepressivos, anti histamínicos, anti psicóticos, supressores de tosse, medicamentos hipnóticos, relaxantes musculares (benzodiazepinas, baclofen, dantrolene, orfenadrina, carisoprodol, chlorzoxazona, ciclobenzaprina, methocarbamol), narcóticos (codeína, meperidina, methadona, morfina, propoxipheno, remédios para aliviar dores, sedativos (derivados clorais, clomethiazol, álcool etílico, meprobromato) e tranqüilizantes.
Alguns medicamentos para hipertensão, anticoagulantes, beta-bloqueadores e antibióticos, podem interagir com o álcool isopropílico e metílico. Se você está tomando este tipo de medicamento, questione seu médico e leia muito bem a bula do medicamento, para saber se pode trabalhar com solventes e outros tipos de materiais artísticos.
CONTATO CUTÂNEO
A exposição e intoxicação pelos materiais artísticos pode ocorrer diretamente, por contato cutâneo (com a pele), inalação (acesso aos pulmões) ou por ingestão. Algumas particularidades podem ser estudadas em cada via de acesso.
Apesar de nossa pele ser uma camada de proteção para germes, poeira, água e muitos elementos químicos, não é impermeável. Objetos pontiagudos e lixas podem perfura-la, ampliando a possibilidade de infecções, queimaduras e muitos elementos químicos (ácidos, alcalinos, solventes e alvejantes podem atacar as barreiras de proteção da pele, tornando-nos mais vulneráveis aos produtos químicos tóxicos. Isto permite que alguns produtos cheguem a corrente sanguínea, viajando até outras partes do corpo.
Somando-se a isto, muitos solventes, como terebintina, benzina, fenol, álcool metílico, xyleno, tolueno, éter glicóis, e hidrocarbonetos clorados podem atingir a pele em forma líquida ou de vapor, penetrando-a diretamente, sem necessidade de cortes, arranhados ou outras lesões.
Desta forma, um vitralista que se corta ao destacar um pedaço de vidro, e que logo após pinta com grisalha sem utilizar luvas nitrílicas, pode iniciar um processo de intoxicação por chumbo, diretamente pelo contato da grisalha com a pele.
Além disto, o vitralista deve utilizar máscaras, para evitar a inalação do pó das grisalhas, em especial no momento da maceração e do procedimento da retirada das luzes, quando os pigmentos secos das grisalhas ficam em suspensão no ar.
HIGIÊNE PESSOAL
Os cuidados com a higiene do artista que lida com pigmentos químicos deve continuar no momento da higiene pessoal.
É muito importante retirar as luvas e lavar bem as mãos antes de ir ao banheiro, e lavar bem o rosto antes de fazer uma refeição.
As roupas do atelier devem ser mantidas no atelier e, se possível, também lavadas neste local.
O ideal é tomar um banho completo, trocando suas roupas, lavando bem os cabelos, rosto e mãos, antes de fazer uma refeição.
FORMAS DE INTOXICAÇÃO - VIAS DE ACESSO
INALAÇÃO
A mais comum via de intoxicação por materiais artísticos é a inalação.
Os vapores tóxicos e pigmentos são inalados diretamente pela cavidade nasal e pela garganta, descem pela laringe, traquéia e chegam até os pulmões, pelos brônquios.
Atingem os alvéolos e os capilares dos pulmões, e são levados à corrente sanguínea, afetando outras partes do corpo.
A proteção natural das cavidades nasais e do sistema respiratório (pelos e mucosas) não é capaz de deter todas as partículas.
Os receptores que nos alertam em relação aos odores, habituam-se rapidamente aos cheiros, e passam a não mais nos alertar a partir de uma certa duração de exposição.
Por causa da fadiga olfativa, algumas pessoas que residem em cidades poluídas ou em regiões que apresentam odores, a partir de um certo momento, não mais percebem que estão expostas a estes infortúnios.
O mesmo ocorre em um ateliê. Não podemos portanto, confiar em nossa capacidade olfativa de identificar odores, pois esta decai, a partir de um certo momento. Além disto, muitos odores aparentemente agradáveis podem ser tóxicos.
A tosse é uma maneira que o corpo encontra de expelir os resíduos e poeiras captados pelas mucosas do sistema respiratório. Os pequenos músculos que envolvem os bronquíolos agem quando são estimulados por gases, odores e poeiras irritantes. Este sistema de proteção não é eficiente contra alguns tipos de gases emitidos por solventes, e outros produtos químicos que não apresentam pó, que atingem os pulmões, danificando-os.
Isto torna-se especialmente mais perigoso para os artistas fumantes, pois as minúsculas partículas aspiradas na fumaça tóxica do cigarro carregam diretamente para os pulmões outros elementos tóxicos dos materiais artísticos, como se os do próprio cigarro já não bastassem.
INGESTÃO
Sabe-se que o chumbo tem um gosto adocicado, e por esta razão as crianças correm riscos maiores, pelo interesse que este material desperta no paladar. A ingestão de materiais artísticos é mais rara mas também ocorre, principalmente para aqueles artistas desavisados, que tem o costume de afilar as pontas de seus pincéis com os próprios lábios.
No Japão, os pintores de um ateliê de pintura de kimonos apresentaram um tipo especial de câncer da bexiga. Investigando o procedimento de pintura empregado por estes artistas, constataram que eles tinham o hábito de apontar seus pincéis em suas bocas.
Existem outros exemplos de intoxicação por ingestão. Aqueles que tem o hábito de comer ou beber no ateliê correm este risco. As poeiras e vapores podem se depositar em cima dos alimentos e bebidas, e resíduos das mãos podem ser facilmente levados a boca. O ato de fumar pode levar resíduos tóxicos da mão do artista até a parte do cigarro que toca a boca.
Um gosto metálico pode ser percebido imediatamente em alguns casos, atestando o contato com o elemento tóxico. Mãos mal lavadas e utensílios domésticos podem transmitir o envenenamento químico para a boca. O fato de engolir o muco contendo poeiras tóxicas também é uma maneira de levar os elementos tóxicos até o estômago.
Quando ingerimos elementos químicos corrosivos, podemos ter efeitos nocivos nos lábios, garganta, esôfago e estômago. Induzir o vômito não é aconselhado, pois aumenta o risco de avarias no esôfago e garganta. Os materiais tóxicos que chegam ao estômago têm maior chance de afetar primeiramente o fígado, visto que o sangue do estômago e intestino passam por ele antes de chegar aos outros órgãos do corpo.
Os Metais Pesados e seus efeitos.
Acredita-se que os metais talvez sejam os agentes tóxicos mais antigos conhecidos pelo homem, pois em cerca 2.000 a.C., grandes quantidades de chumbo eram obtidas como subproduto da fusão da prata, em um procedimento que inaugurou a utilização desse metal pelo homem.
Os metais pesados diferem de outros agentes tóxicos porque não são sintetizados nem destruídos pelo homem. A atividade industrial diminui significativamente a permanência desses metais nos minérios, bem como a produção de novos compostos, além de alterar a distribuição desses elementos no planeta.
A presença de metais muitas vezes está associada à localização geográfica, seja na água ou no solo, e pode ser controlada, limitando o uso de produtos agrícolas e proibindo a produção de alimentos em solos contaminados com metais pesados.
Todas as formas de vida são afetadas pela presença de metais, dependendo da dose que recebem e de sua forma química. Muitos metais são essenciais para o crescimento de todos os tipos de organismos, desde as bactérias até o ser humano, mas eles são necessários em baixas concentrações e, quando em excesso, podem danificar os sistemas biológicos.
Os metais são classificados em:
1. Elementos essenciais: sódio, potássio, cálcio, ferro, zinco, cobre, níquel e magnésio;
2. Micro-contaminantes ambientais: arsênico, chumbo, cádmio, mercúrio, alumínio, titânio, estanho e tungstênio;
3. Elementos essenciais e simultaneamente micro-contaminantes: cromo, zinco, ferro, cobalto, manganês e níquel.
Os efeitos tóxicos dos metais sempre foram considerados como eventos de curto prazo, agudos e evidentes, como anúria e diarreia sanguinolenta, decorrentes da ingestão de mercúrio. Atualmente, ocorrências a médio e longo prazo são observadas, e as relações causa-efeito são pouco evidentes e quase sempre sub clínicas. Geralmente esses efeitos são difíceis de serem distinguidos e perdem em especificidade, pois podem ser provocados por outras substâncias tóxicas ou por interações entre esses agentes químicos.
A manifestação dos efeitos tóxicos está associada à dose e pode distribuir-se por todo o organismo, afetando vários órgãos, alterando os processos bioquímicos, organelas e membranas celulares.
Acredita-se que pessoas idosas e crianças sejam mais susceptíveis às substâncias tóxicas. As principais fontes de exposição aos metais tóxicos são os alimentos, observando-se um elevado índice de absorção gastrointestinal. A mídia nos faz saber de casos de contaminação de adultos e crianças, em bairros residenciais inteiros, com metais pesados, principalmente por chumbo e mercúrio.
ARSÊNICO (As)
O arsênico é um metal de coloração cinza prateada, com ocorrência natural, sólido, cristalino. Quando é exposto ao ar, perde seu brilho e torna-se um sólido amorfo de cor negra.
É utilizado na fusão de metais pesados, em soldagens e na produção de cristais de silício e de germânio.
É encontrado nas tintas enamels que contém chumbo (usadas em cerâmica) e em alguns vidros.
Quando atinge o homem, é nocivo para os sistemas cardiovascular, respiratório, hematopoiético e nervoso. Gera irritação no sistema respiratório com danos nas mucosas nasais, laringe e brônquios. Exposições prolongadas podem provocar rouquidão, perfuração do septo nasal, e a longo prazo, tosse crônica, insuficiência pulmonar e traqueobronquite.
São observadas lesões vasculares periféricas, quando atinge o sistema cardiovascular e alterações são perceptíveis no eletrocardiograma. No sistema nervoso, as alterações observadas são sensoriais e polineuropatias (danos nervosos múltiplos), e no sistema hematopoiético (que forma os glóbulos sanguíneos) observa-se leucopenia (diminuição da quantidade de leucócitos no sangue, abaixo da normalidade), efeitos cutâneos e hepáticos. É carcinogênico, gerando o câncer de pele e brônquios.
CHUMBO (Pb)
Há mais de 4.000 anos o chumbo é utilizado sob várias formas, principalmente por ser uma fonte de prata. Antigamente, as minas de prata eram de galena (minério de chumbo), um metal dúctil, maleável, de cor prateada ou cinza-azulada, resistente à corrosão. Os principais usos estão relacionados às indústrias extrativa, petrolífera, de baterias, tintas e corantes, cerâmica, cabos, tubulações e munições.
O chumbo pode ser incorporado ao cristal na fabricação de copos, jarras e outros utensílios, favorecendo o seu brilho e durabilidade. Assim, pode ser incorporado aos alimentos durante o processo de industrialização ou no preparo doméstico.
Compostos de chumbo são absorvidos por via respiratória e cutânea. Os chumbos tetraetila e tetrametila também são absorvidos através da pele intacta, por serem lipossolúveis.
O sistema nervoso, a medula óssea e os rins são considerados órgãos críticos para o chumbo, que interfere nos processos genéticos ou cromossômicos e produz alterações na estabilidade da cromatina em cobaias, inibindo reparo de DNA e agindo como promotor do câncer.
A relação entre a presença de chumbo e a síndrome associada ao sistema nervoso central depende do tempo e da especificidade das manifestações. Destaca-se a síndrome encefalo-polineurítica (alterações sensoriais, perceptuais, e psicomotoras), síndrome astênica (fadiga, dor de cabeça, insônia, distúrbios durante o sono e dores musculares), síndrome hematológica (anemia hipocrômica moderada e aumento de pontuações basófilas nos eritrócitos), síndrome renal (nefropatia não específica, proteinúria, aminoacidúria, uricacidúria, diminuição da depuração da ureia e do ácido úrico), síndrome do trato gastrointestinal (cólicas, anorexia, desconforto gástrico, constipação ou diarreia), síndrome cardiovascular (miocardite crônica, alterações no eletrocardiograma, hipotonia ou hipertonia, palidez facial ou retinal, arteriosclerose precoce com alterações cerebrovasculares e hipertensão) e síndrome hepática (interferência de biotransformação).
CÁDMIO (Cd)
O cádmio é encontrado na natureza quase sempre junto com o zinco, em proporções que variam de 1:100 a 1:1000, na maioria dos minérios e solos. É um metal que pode ser dissolvido por soluções ácidas e pelo nitrato de amônio. Quando queimado ou aquecido, produz o óxido de cádmio, pó branco e amorfo ou na forma de cristais de cor vermelha ou marrom. É obtido como subproduto da refinação do zinco e de outros minérios, como chumbo-zinco e cobre-chumbo-zinco.
A galvanoplastia (processo eletrolítico que consiste em recobrir um metal com outro) é um dos processos industriais que mais utiliza o cádmio (entre 45 a 60% da quantidade produzida por ano). O homem expõe-se ao cádmio na fabricação de ligas, varetas para soldagens, baterias Ni-Cd, varetas de reatores, fabricação de tubos para TV, pigmentos, esmaltes e tinturas têxteis, fotografia, litografia e pirotecnia, estabilizador plástico, fabricação de semicondutores, células solares, contadores de cintilação, retificadores e lasers.
O cádmio existente na atmosfera é precipitado e depositado no solo agrícola na relação aproximada de 3 g/hectares/ano. Rejeitos não-ferrosos e artigos que contêm cádmio contribuem significativamente para a poluição ambiental. Outras formas de contaminação do solo são através dos resíduos da fabricação de cimento, da queima de combustíveis fósseis e lixo urbano e de sedimentos de esgotos.
Na agricultura, uma fonte direta de contaminação pelo cádmio é a utilização de fertilizantes fosfatados. Sabe-se que a captação de cádmio pelas plantas é maior quanto menor o pH do solo. Nesse aspecto, as chuvas ácidas representam um fator determinante no aumento da concentração do metal nos produtos agrícolas.
A água é outra fonte de contaminação e deve ser considerada não somente pelo seu consumo como água potável, mas também pelo seu uso na fabricação de bebidas e no preparo de alimentos. Sabe-se que a água potável possui baixos teores de cádmio (cerca de 1 mg/L), o que é representativo para cada localidade.
O cádmio é um elemento de vida biológica longa (10 a 30 anos) e de lenta excreção pelo organismo humano. O órgão alvo primário nas exposições ao cádmio a longo prazo é o rim. Os efeitos tóxicos provocados por ele compreendem principalmente distúrbios gastrointestinais, após a ingestão do agente químico. A inalação de doses elevadas produz intoxicação aguda, caracterizada por pneumonite e edema pulmonar.
CROMO (Cr)
O cromo é obtido do minério cromita, metal de cor cinza que reage com os ácidos clorídrico e sulfúrico. Além dos compostos bivalentes, trivalentes e hexavalentes, o cromo metálico e ligas também são encontrados no ambiente de trabalho. Entre as inúmeras atividades industriais, destacam-se: galvanoplastia, soldagens, produção de ligas ferro-cromo, curtume, produção de cromatos, dicromatos, pigmentos e vernizes.
A absorção de cromo por via cutânea depende do tipo de composto, de sua concentração e do tempo de contato. O cromo absorvido permanece por longo tempo retido na junção dermo-epidérmica e no estrato superior da mesoderme.
A maior parte do cromo é eliminada através da urina, sendo excretada após as primeiras horas de exposição. Os compostos de cromo produzem efeitos cutâneos, nasais, bronco-pulmonares, renais, gastrointestinais e carcinogênicos. Os cutâneos são caracterizados por irritação no dorso das mãos e dos dedos, podendo transformar-se em úlceras. As lesões nasais iniciam-se com um quadro irritativo inflamatório, supuração e formação de crostas. Em níveis bronco-pulmonares e gastrointestinais produzem irritação bronquial, alteração da função respiratória e úlceras gastroduodenais.
MANGANÊS (Mn)
O manganês é um metal cinza semelhante ao ferro, porém mais duro e quebradiço. Os óxidos, carbonatos e silicatos de manganês são os mais abundantes na natureza e caracterizam-se por serem insolúveis na água. O composto ciclopentadienila-tricarbonila de manganês é bem solúvel na gasolina, óleo e álcool etílico, sendo geralmente utilizado como agente anti-detonante em substituição ao chumbo tetraetila.
Entre as principais aplicações industriais do manganês, destacam-se a fabricação de fósforos de segurança, pilhas secas, ligas não-ferrosas (com cobre e níquel), esmalte porcelanizado, fertilizantes, fungicidas, rações, eletrodos para solda, magnetos, catalisadores, vidros, tintas, cerâmicas, materiais elétricos e produtos farmacêuticos (cloreto, óxido e sulfato de manganês). As exposições mais significativas ocorrem através dos fumos e poeiras de manganês.
O trato respiratório é a principal via de introdução e absorção desse metal nas exposições ocupacionais. No sangue, esse metal encontra-se nos eritrócitos, 20-25 vezes maior que no plasma.
Os sintomas dos danos provocados pelo manganês no sistema nervoso central podem ser divididos em três estágios:
1º: subclínico (astenia, distúrbios do sono, dores musculares, excitabilidade mental e movimentos desajeitados);
2º: início da fase clínica (transtorno da marcha, dificuldade na fala, reflexos exagerados e tremor), e
3º: clínico (psicose maníaco-depressiva e a clássica síndrome que lembra o Parkinsonismo). Além dos efeitos neurotóxicos, há maior incidência de bronquite aguda, asma brônquica e pneumonia.