Bernardini Ramazzini, conhecido como o precursor da medicina ocupacional, em seu livro De Morbis Artificum Diatriba (Doenças dos Trabalhadores), publicado na Itália em 1713, descreve pela primeira vez as doenças de diversos grupos de trabalhadores, entre eles, os pintores, entalhadores de pedras e ceramistas.
Cita, entre outras coisas, que observando os pintores que conheceu, nenhum aparentava ter boa saúde, e lendo a história dos pintores, constatava que vários deles, sobretudo os de maior fama e reputação, não tiveram vida longa.
Enumera os pigmentos com os quais os pintores manipulavam suas cores no século XVIII, como sendo a origem de doenças típicas desta atividade: vermelho de chumbo, cinábrio (mercúrio), branco de prata (chumbo), e também descreve os vernizes, óleo de linhaça e de nozes, e diversos pigmentos contendo substâncias minerais nocivas à saúde.
Nos tempos atuais, pesquisadores especulam sobre o fato de que algumas das doenças de artistas famosos foram causadas por intoxicação por materiais. Dr. Bertram Carnow, da Universidade de Saúde Pública de Illinois sugeriu que a insanidade de Van Gogh foi causada por intoxicação por chumbo, e que as estrelas pintadas em seus quadros são um efeito ocorrido em seus nervos óticos, afetados pela intoxicação por chumbo (saturnismo), agravada pela ingestão de coquetéis feitos com absinto e essência de terebintina (altamente tóxica se ingerida), que ele mesmo preparava.
É sabido que este artista empregava o Amarelo de Nápoles verdadeiro, que continha chumbo, e outros pigmentos altamente tóxicos. A longa e famosa trajetória de insanidade de Van Gogh, tratado em hospitais de Arles, que o levou a cometer suicídio quando ainda era tratado por Dr. Gachet, em Auvers-sur-Oise, são tidas por muitos autores como sendo esquizofrenia ou loucura, mas não intoxicação por chumbo, absinto e terebintina.
Dr. William Niederland sugeriu que Goya teria sofrido de intoxicação pela grande quantidade de branco de Prata (chumbo) que empregava, em suas fases mais produtivas, e não de esquizofrenia ou de sífilis, como acreditavam os antepassados.
NOVOS PRODUTOS, NOVOS RISCOS.
A gama dos materiais artísticos é bastante ampliada em nossos dias, pela criação de novos materiais, derivados de plásticos, lacas, solventes, spray aerossóis e outros que podem ser altamente tóxicos, fazendo a infelicidade de muitos artistas.
De fato, os artistas estão desenvolvendo doenças semelhantes àquelas encontradas em operários de indústrias, expostos aos materiais químicos, sem conhecer suas propriedades e toxicidades. Portanto, é possível encontrar doenças em todas as áreas de atividades das artes plásticas, câncer na bexiga dos pintores, intoxicação por chumbo nos vitralistas, ceramistas e outras ocorrências típicas, em cada setor de atividade.
Alguns materiais são tão tóxicos e exigem tantas precauções no manuseio, que não deveriam ser empregados em materiais artísticos. Materiais cancerígenos com o amianto, benzeno (encontrado em muitos removedores) cromatos e bi cromatos, e o cádmio em soldas de prata, são alguns dos materiais que devemos evitar, que não poderiam ser empregados por artistas. Como não existe um nível seguro de exposição a estes materiais, eles devem ser descartados.
Com o decorrer do tempo, vários materiais tóxicos foram descartados pela indústria, que busca produzir produtos mais seguros. Os artistas se apropriaram de materiais industriais, cujos manuseios exigem grandes equipamentos de circulação de ar, como as resinas plásticas, pinturas com base de solventes, resinas poliuretanas, sem fazer o mesmo investimento em segurança, necessários à manipulação destes materiais.
Até 1980, a toxicidade dos materiais artísticos era catalogada levando em conta a exposição única a estes materiais, uma forma inadequada de classificação, visto que os artistas se expõem por períodos longos, repetitivos, em longas jornadas de trabalho.
Até hoje, muitos professores de arte desconhecem a toxicidade dos materiais, e por esta razão deixam de alertar seus alunos nas escolas de arte. Conceitos essenciais, como a circulação do ar, e programas de segurança e saúde são negligenciados, por falta de informação.
Os diagnósticos inapropriados, feitos por médicos sem especialização e conhecimentos sobre a toxicidade dos materiais artísticos, fizeram com que a intoxicação por chumbo fosse tratada como sendo doença psicossomática, e que outras intoxicações fossem tratadas como doenças que na realidade não existiam no indivíduo.
Ao estudarmos a composição química dos materiais, percebemos que cada área de atividade artística exige cuidados específicos, próprios da química à que se expõe o artista. Dr. Michael McCann, em seu excelente livro Artists Beware, descreve detalhadamente o que afeta os artistas, em cada área de atuação.
É um dos mais completos livros sobre toxicologia dos materiais artísticos, segundo Caetano Ferrari, maior especialista e bibliófilo em tecnologia dos materiais do Brasil.
Segundo nos ensina McCann, um ceramista deve adotar cuidados de proteção contra o chumbo, o arsênico e o cobalto presente nos pigmentos que emprega, e proteger-se dos raios infravermelhos durante a queima de suas peças.
Os sopradores de vidro devem procurar uma forma eficiente de proteger-se do chumbo, sílica, arsênico, e das fumaças de metais, ácidos e sais, e raios infravermelhos.
Os vitralistas devem tomar medidas de precaução contra o chumbo contido nas pinturas de grisalhas, e contra as fumaças emitidas no momento da soldagem.
Artista vidreiro na Dordonha, França, 2008.
Os gravadores devem proteger-se dos solventes, ácidos, gases, querosene, poeiras, riscos de explosão, xileno, etc. segundo a técnica de gravura que empregam.
Os pintores devem proteger-se dos pigmentos que contem chumbo, cádmio, mercúrio, cobalto, manganês, mas também dos solventes minerais, terebintina, amônia e aldeídos fórmicos.
Os pastelistas devem proteger-se dos pós em suspensão durante a aplicação das cores dos pastéis que contém chumbo, cádmio, e componentes de mercúrio.
A intoxicação por chumbo é conhecida por saturnismo (ou plumbismo), uma doença que afeta milhões de pessoas, decorrente também da poluição ambiental.
É encontrada também em outras espécies, como as aves aquáticas, que comem peixes que engoliram pesos de chumbo empregados na pesca, ou outros animais, que tiveram chumbo de projéteis alojados em seus corpos.
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